terça-feira, 30 de novembro de 2010

Antropologia

Você sabe o que é Antropologia?

Antropologia (cuja origem etimológica deriva do grego άνθρωπος anthropos, (homem / pessoa) e λόγος (logos - razão / pensamento) é a ciência preocupada com o fator humano e suas relações. A divisão clássica da Antropologia distingue a Antropologia Social da Antropologia Física. Cada uma destas, em sua construção abrigou diversas correntes de pensamento.
Pode-se afirmar que há poucas décadas a antropologia conquistou seu lugar entre as ciências. Primeiramente, foi considerada como a história natural e física do homem e do seu processo evolutivo, no espaço e no tempo. Se por um lado essa concepção vinha satisfazer o significado literal da palavra, por outro restringia o seu campo de estudo às características do homem físico. Essa postura marcou e limitou os estudos antropológicos por largo tempo, privilegiando a antropometria, ciência que trata das mensurações do homem fóssil e do homem vivo.
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Antropologia
Algumas informações básicas sobre os principais paradigmas e escolas de pensamento antropológico:

Formação de uma literatura “etnográfica” sobre a diversidade cultural

Período: Séculos XVI-XIX
Características: Relatos de viagens (Cartas, Diários, Relatórios etc.) feitos por missionários, viajantes, comerciantes, exploradores, militares, administradores coloniais etc.
Temas e Conceitos: Descrições das terras (Fauna, Flora, Topografia) e dos povos “descobertos” (Hábitos e Crenças).Primeiros relatos sobre a AlteridadeAlguns Representantes e obras de referênciaPero Vaz Caminha (“Carta do Descobrimento do Brasil” - séc. XVI). Hans Staden (“Duas Viagens ao Brasil” - séc. XVI). Jean de Léry (“Viagem a Terra do Brasil” - séc. XVI). Jean Baptiste Debret (“Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil” - séc. XIX).
Escola/Paradigma: Evolucionismo Social
Período: Século XIX
Características: Sistematização do conhecimento acumulado sobre os “povos primitivos”.
Predomínio do trabalho de gabinete
Temas e Conceitos: Unidade psíquica do homem.Evolução das sociedades das mais “primitivas” para as mais “civilizadas”.Busca das origens (Perspectiva diacrônica)Estudos de Parentesco /Religião /Organização Social.Substituição conceito de raça pelo de cultura.
Alguns Representantes e obras de referência: Maine (“Ancient Law” - 1861). Herbert Spencer (“Princípios de Biologia” - 1864). E. Tylor (“A Cultura Primitiva” - 1871). L. Morgan (“A Sociedade Antiga” - 1877). James Frazer (“O Ramo de Ouro” - 1890).

Escola/Paradigma: Escola Sociológica Francesa

Período: Século XIX
Características: Definição dos fenômenos sociais como objetos de investigação socio-antropológica. Definição das regras do método sociológico.
Temas e Conceitos: Representações coletivas.Solidariedade orgânica e mecânica. Formas primitivas de classificação (totemismo) e teoria do conhecimento. Busca pelo Fato Social Total (biológico + psicológico + sociológico). A troca e a reciprocidade como fundamento da vida social (dar, receber, retribuir).
Alguns Representantes e obras de referência: Émile Durkheim:“Regras do método sociológico”- 1895; “Algumas formas primitivas de classificação” - c/ Marcel Mauss - 1901; “As formas elementares da vida religiosa” - 1912. Marcel Mauss:“Esboço de uma teoria geral da magia” - c/ Henri Hubert - 1902-1903; “Ensaio sobre a dádiva” - 1923-1924; “Uma categoria do espírito humano: a noção de pessoa, a noção de eu”- 1938).
Escola/Paradigma: Funcionalismo
Período: Século XX - anos 20
Características: Modelo de etnografia clássica (Monografia).
Ênfase no trabalho de campo (Observação participante). Sistematização do conhecimento acumulado sobre uma cultura.
Temas e Conceitos: Cultura como totalidade.Interesse pelas Instituições e suas Funções para a manutenção da totalidade cultural.Ênfase na Sincronia x Diacronia.
Alguns Representantes e obras de referência: Bronislaw Malinowski (“Argonautas do Pacífico Ocidental” -1922). Radcliffe Brown (“Estrutura e função na sociedade primitiva” - 1952-; e “Sistemas Políticos Africanos de Parentesco e Casamento”, org. c/ Daryll Forde - 1950). Evans-Pritchard (“Bruxaria, oráculos e magia entre os Azande” - 1937; “Os Nuer” - 1940). Raymond Firth (“Nós, os Tikopia” - 1936; “Elementos de organização social - 1951). Max Glukman (“Ordem e rebelião na África tribal”- 1963). Victor Turner (“Ruptura e continuidade em uma sociedade africana”-1957; “O processo ritual”- 1969). Edmund Leach - (“Sistemas políticos da Alta Birmânia” - 1954).

Escola/Paradigma: Culturalismo Norte-Americano

Período: Séc. XX - anos 30
Características: Método comparativo. Busca de leis no desenvolvimento das culturas. Relação entre cultura e personalidade.
Temas e Conceitos: Ênfase na construção e identificação de padrões culturais (“Patterns of culture”) ou estilos de cultura (“ethos”).
Alguns Representantes e obras de referência: Franz Boas (“Os objetivos da etnologia” - 1888; “Raça, Língua e Cultura” - 1940). Margaret Mead (“Sexo e temperamento em três sociedades primitivas” - 1935). Ruth Benedict (“Padrões de cultura” - 1934; “O Crisântemo e a espada” - 1946).
Escola/Paradigma: Estruturalismo
Período: Século XX - anos 40
Características: Busca das regras estruturantes das culturas presentes na mente humana. Teoria do parentesco/Lógica do mito/Classificação primitiva. Distinção Natureza x Cultura.
Temas e Conceitos: Princípios de organização da mente humana: pares de oposição e códigos binários.Reciprocidade
Alguns Representantes e obras de referência: Claude Lévi-Strauss:“As estruturas elementares do parentesco” - 1949. “Tristes Trópicos”- 1955. “Pensamento selvagem” - 1962. “Antropologia estrutural” - 1958 “Antropologia estrutural dois” - 1973 “O cru e o cozido” - 1964 “O homem nu” - 1971
Escola/Paradigma: Antropologia Interpretativa
Período: Século XX - anos 60
Características: Cultura como hierarquia de significados Busca da “descrição densa”. Interpretação x Leis. Inspiração Hermenêutica.
Temas e Conceitos: Interpretação antropológica: Leitura da leitura que os “nativos” fazem de sua própria cultura.Alguns Representantes e obras de referência: Clifford Geertz: “A interpretação das culturas” - 1973. “Saber local” - 1983.
Escola/Paradigma: Antropologia Pós-Moderna ou Crítica
Período e obra: Século XX - nos 80
Características: Preocupação com os recursos retóricos presentes no modelo textual das etnografias clássicas e contemporâneas. Politização da relação observador-observado na pesquisa antropológica. Critica dos paradigmas teóricos e da “autoridade etnográfica” do antropólogo.
Temas e Conceitos: Cultura como processo polissêmico. Etnografia como representação polifônica da polissemia cultural. Antropologia como experimentação/arte da crítica cultural.
Alguns Representantes e obras de referência: James Clifford e Georges Marcus (“Writing culture - The poetics and politics of ethnography” - 1986). George Marcus e Michel Fischer (“Anthropoly as cultural critique” - 1986). Richard Price (“First time” - 1983). Michel Taussig (“Xamanismo, colonialismo e o homem selvagem”- 1987). James Clifford (“The predicament of culture” - 1988).
Fonte: http://nant-iscsp.blogspot.com/2005_05_01_archive.html

Informações

Especialização Lato Sensu em Ensino de Histórias e Culturas Africanas e Afro-Brasileiras - RJ

O IFRJ Campus São Gonçalo prorrogou as inscrições até 14 de dezembro do Edital n° 89/2010 para o Curso de Especialização Lato Sensu em Ensino de Histórias e Culturas Africanas e Afro-Brasileiras.

Curso de Especialização Lato Sensu em Ensino de Histórias e Culturas Africanas e Afro-brasileiras tem como finalidade contribuir para a formação continuada dos professores e profissionais ligados à educação capazes de atuar no ensino e na pesquisa com vistas à implementação de uma política educacional que reconhece a diversidade étnico-racial do país, seguindo as determinações da lei 10.639/03 que torna obrigatório o ensino das histórias e culturas africanas e afro-brasileira em todos os níveis e modalidades da educação básica.

Pretende-se também contribuir na formação de profissionais autônomos e inovadores, capazes de projetar e realizar melhorias em seus campos de atuação, de propor novas metodologias e criar novas estratégias pedagógicas para a educação das relações étnico-raciais, no intuito de reduzir a distância existente entre as realidades da produção acadêmica contemporânea e do cotidiano da sala de aula.

CARACTERÍSTICAS DO CURSO
 
O Curso tem a duração prevista de um ano e seis meses, incluindo o tempo de elaboração da monografia, prorrogáveis, a critério do Colegiado do Curso, por mais seis meses.

A sua carga horária é de 390 horas e suas aulas serão ministradas às terças-feiras e às quintas-feiras, das 18h 30min às 22h 30min, e um sábado por mês, das 8 às 12 horas, no Campus São Gonçalo do IFRJ.

PROCESSO SELETIVO E PERIODICIDADE
 
O curso possui uma entrada por ano, com início no 1º semestre do ano. São oferecidas 20 vagas por turma. O processo seletivo, que é regulamentado por edital específico, ocorre em três etapas: prova escrita, análise de currículo e exposição oral. Podem participar do processo seletivo os profissionais que tenham concluído um curso de graduação, preferencialmente nas áreas relacionadas à Educação.

O início das aulas está previsto para  8 de fevereiro de 2011.


 
INSCRIÇÕES DE 08/11/2010 ATÉ 14/12/2010
 
LOCAL: Rua Dr. José Augusto Pereira dos Santos, s/nº, Neves - São Gonçalo
(CIEP 436 Neusa Brizola – ao lado do DETRAN)
 
HORÁRIO  INSCRIÇÕES: DAS 14H ÀS 20H
TAXA DE INSCRIÇÃO NO CONCURSO: R$ 70,00
VAGAS OFERECIDAS: 20 (VINTE)
 
O CURSO É GRATUITO, SEM COBRANÇA DE TAXA DE MATRÍCULA E MENSALIDADES
 
EDITAL e BIBLIOGRAFIA DISPONÍVEIS EM: http://www.ifrj.edu.br/latu.php
 
INFORMAÇŌES ADICIONAIS:
TELEFONE: (021) 2628-0099 begin_of_the_skype_highlighting              (021) 2628-0099      end_of_the_skype_highlighting

sábado, 27 de novembro de 2010

A Arte africana na sala de aula

A arte africana e afro-brasileira foi tema de estudo de meu TCC do curso de licenciatura em Artes Visuais da UNESC, finalizado em 2006.  A partir daí, reconheci a relevância do mesmo, e procuro desenvolver projetos bordando esta questão em todas as turmas e escolas nas quis trabalho.
No ano de 2007, durante o segundo semestre, desenvolvi junto aos alunos de 5ª a 8ª série da E.E.B. Ângelo Izé o projeto intitulado “Arte e cultura africana e afro-brasileira: conhecer para respeitar”. Era meu primeiro ano como professora de Artes na referida instituição de ensino, a qual está situada numa zona rural da cidade de Forquilhinha, sul de Santa Catarina, local conhecido por sua colonização predominantemente alemã. Não havia nenhum aluno afro-descendente nas turmas envolvidas, o que tornou o tema mais desafiador ainda.
O objetivo geral do projeto foi propiciar o conhecimento de determinadas manifestações artísticas africanas e afro-brasileiras, levando os alunos a refletir sobre a importância dos afro-brasileiros em nossa formação cultural, de modo a valorizar estas contribuições.
Partindo de um diagnóstico realizado com todas as turmas com as quais eu trabalhava verifiquei que as mesmas possuíam uma concepção estereotipada da África tais como: “A África é muito pobre.” “Eu sei que a África é um país seco.” “A África é um país pobre e de clima quente.” No início do projeto, os alunos sequer tinham a concepção de que a África é um continente. Diante disto, antes de falar da arte propriamente dita, trabalhei com todos os alunos textos que os levassem  compreender que África é um continente diversificado, que lá existem riquezas e diversidade climática, sendo que em alguns locais mais altos ocorre até  mesmo neve.
Todas as turmas alunos assistiram a um vídeo sobre a Guiné-bissau, o qual mostra um pouco da cultura e vida em sociedade deste país africano. Desta forma, ressaltou-se que cada país da África é formado por diferentes etnias, e cada uma delas possui sua particularidade. Não se pode generalizar quando se fala em África, devemos falar em “Áfricas”.
As 5ªs e 6ªs séries também assistiram o desenho animado “Kiriku e a Feiticeira”. O filme mostra uma África não estereotipada, ao contrário de desenhos já conhecidos pelos alunos, como o “Rei Leão” da Disney. Neste desenho, as músicas são realmente africanas, ressaltando batuques e danças. Tendo o filme como ponto de partida, discutimos sobre os aspectos relacionados à cultura brasileira, sendo que os alunos conseguiram apontar que a alegria, o vestuário, as danças que aparecem no desenho têm a ver com a nossa cultura.
Com as 7ªs e 8ªs séries, foram trabalhados textos de maior complexidade e abrangência. Os alunos leram os textos e juntos discutimos seus aspectos relevantes.
Todas as turmas tiveram a oportunidade de apreciar por meio de imagens em livros, algumas importantes obras de arte africanas. Aprenderam que a escultura é a manifestação artística que mais se destaca, e que os africanos realizavam esculturas em bronze com técnica de cera perdida muito antes dos europeus chegarem ao continente.
Depois desta tentativa de tentar nivelar o conhecimento acerca da África, cada turma foi contemplada com o estudo de um artista afro-brasileiro.
A 5ª série conheceu o trabalho da artista brasileira contemporânea Rosana Paulino, a qual produz obras relacionadas ao tema da situação da mulher afro-descendente na sociedade. Como atividade prática, os alunos produziram uma colcha de retalhos, inspirada na obra “Parede de Memória” da artista estudada. Esta obra evoca a ancestralidade, característica importantíssima para os africanos.
As 6ªs séries conheceram a vida e obra do artista Mestre Didi através do DVD da dvdTeca Arte na Escola “Mestre Didi: arte ritual”. Além de artista, este é sacerdote dentro da religiosidade nagô. Suas obras são produzidas utilizando elementos da natureza e estão relacionadas à religiosidade africana. Os alunos, a partir deste estudo, reconheceram que a religião africana influencia algumas manifestações da religiosidade popular brasileira. Como atividade prática, criaram obras usando elementos facilmente encontrados nos arredores da escola, como cascas de palmeiras, bambus e outros.
As 7ªs e 8ªs séries estudaram a vida e obra de Rubem Valentim, também artista brasileiro, por meio da apreciação e discussão do DVD da dvdTeca Arte na Escola intitulado “Rubem Valentim: geometria sagrada”.
Rubem Valentim apropria-se dos emblemas dos orixás e os geometriza. Foi uma boa oportunidade de abordar a questão dos orixás, desmistificando a concepção inicial que tinham os alunos,ou seja, a de que orixás eram deuses. Aprenderam que estes são forças da natureza, e reconheceram os símbolos dos orixás Oxossi, Ogum, Xangô, Oxalá e Exu. A partir deste estudo, os alunos recriaram as obras de Rubem Valentim, tendo como tema aspectos de sua própria vida e religiosidade.
Além de realizar a produção artística, os alunos precisavam refletir sobre a mesma, escrevendo o que os levou a representar sua composição.
Convivendo com a diversidade: exposição dos trabalhos afros em festa alemã.
Os trabalhos artísticos produzidos durante o projeto foram expostos na Heimatfest , festa alemã tradicional da cidade de Forquilhinha. Foi uma forma de levar o projeto para além dos muros escolares, permitindo que a população local também compreendesse a importância dos afro-descendentes para nossa formação cultural.

O aprendizado dos alunos
Após os estudos, os alunos mudaram suas concepções iniciais sobre a África, aprendendo mais sobre sua arte e alguns aspectos históricos e geográficos. Reconheceram a influência africana dentro de nossa cultura, percebendo que, sendo o Brasil composto por 50% de afro-descendentes, não se pode ignorar seu estudo dentro do currículo escolar, independente da existência de uma lei que obrigue.
Os estudantes perceberam como a arte africana influenciou a arte brasileira e mesmo internacional, pois comentamos que Pablo Picasso, renomado artista espanhol, desenvolveu o Cubismo partindo das máscaras africanas que apreciou numa exposição.
Destaco os escritos de alguns alunos:
“A África possui bastante riquezas. Eu não sabia que o funk, o carnaval, o reggae, vieram da África.”
“Os africanos faziam esculturas realistas e algumas simplificadas.”
“Tudo o que os africanos faziam tinha um significado importante. Pablo Picasso foi influenciado pelas esculturas africanas.”
“Nunca imaginei que os africanos davam tanta importância para a fertilidade da mulher nas esculturas mostrando ventre e seios. A barba representava sabedoria.”
“Algumas artes do Brasil vieram da África. Não é só pobreza, eu achava que era pobre, achava que era um país, mas é um continente.”
“Aprendi que na África também neva. Que eles se preocupavam com a simetria das obras, mesmo quando essas eram usadas para alimentação. Usavam a técnica de cera perdida. Me surpreendi porque achava que a África era só pobreza.”

É um desafio para os educadores a implementação dos conteúdos relacionados à arte e cultura africana e afro-brasileira. Embora se reconheça muitas iniciativas a respeito do tema, existe ainda uma lacuna dentro das escolas, quer por desinteresse ou mesmo falta de  preparo por parte do corpo docente. Não há receitas que possam prescrever de que forma trabalhar estes conteúdos, mas, creio que uma coisa é imprescindível: que o professor realmente esteja convencido da importância destes conteúdos estarem inseridos no PPP das escolas.
Quem quiser conferir mais fotos das produções dos alunos, basta entrar no link do site Arte na Escola: http://www.artenaescola.org.br/sala_galeria_album.php?album=330. Publiquem lá também seus trabalhos!
Julmara Goulart Sefstrom - Cocal do Sul -SC

Os capoeiras de antes


 

Carta de Antônio Felipe Soares d’Andrada de Brederode pedindo a punição de negros capoeiras cativos em praça pública. Segundo o documento, eram conhecidos por capoeiras negros forros, livres e cativos, que eram procurados pela Polícia por cometerem delitos freqüentes no Rio de Janeiro.  Em função do temor que a sociedade colonial nutria de levantes de escravos, a punição aos delitos cometidos pelos negros deveria servir de exemplo aos outros. Através desta carta, percebe-se ainda uma certa distinção feita entre negros forros e cativos quanto aos castigos recebidos, embora a intenção do exemplo fosse a mesma.  
Conjunto documental: Ministério da Justiça
Notação: caixa 774, pct.03Datas – limite: 1808-1817Título do fundo: Ministério da JustiçaCódigo do fundo: 4v Argumento de pesquisa: Revolta de escravosData do documento: 27 de fevereiro de 1817Local: Rio de JaneiroFolha(s): -   
“Senhor, Sendo freqüentes os delitos preparados por indivíduos desta cidade, forros[1] e livres uns; cativos outros; conhecidos pela denominação de capoeiras[2]; tem a vigilante Polícia[3] buscado capturá-los, as Justiças processá-los, e a Casa da Suplicação[4] sentenciá-los com exemplar zelo e interesse do Chanceler que serve de Regedor[5], especialmente nas visitas da Cadeia em que é juiz.Quanto aos forros é uma das penas aflitivas a de açoites pelas ruas públicas; quanto aos cativos na grade da cadeia, e no calabouço. Mas como o principal fim seja o exemplo aterrador dos cativos parecia conseguir-se melhor, sendo dados os açoites nos cativos[6] em Praças mais públicas, e lugares onde estes maus indivíduos capoeiras costumam fazer suas paradas e depois suas desordens e delitos.Mas, como não esteja em uso prático serem açoitados no Pelourinho[7] e Praça do Rossio, na do Capim, na da Sé, e outras, não me atrevendo a fazer esta inovação, posto que a julgue necessária, e haja agora ocasião com dois escravos, um crioulo, outro de Nação condenados em açoites, sou a pedir a Vossa Majestade pelo expediente desta Secretaria de Estado dos Negócios do Brasil queira expedir as ordens a este respeito ao Chanceler que serve de Regedor, (...) para este informar, e ficarem registrados nos livros da Relação para terem o seu devido efeito. Vossa Majestade mandará o que justo lhe parecer  ao seu Real Serviço. Rio de Janeiro, 27 de Fevereiro de 1817. O Corregedor do Crime da Corte e CasaAntônio Felipe Soares de Andrade de Brederode”    


[1] Eram considerados forros os indivíduos que recebiam carta de alforria. Contudo, por ser revogável, nunca o ex-escravo ganhava a situação de homem livre. Ele era um forro ou liberto que vivia sob a constante ameaça de revogação da alforria por “ingratidão” ao seu antigo senhor.
[2] Não existe um consenso em torno da origem do termo capoeira, tampouco da prática por ele definido. Diz-se que seriam campos abertos (capoeiras) onde escravos fugidos praticavam uma espécie de luta ritual; há também uma versão que afirma ter sido a denominação de um cesto carregado pelos escravos de ganho para carregar principalmente aves e verduras nas ruas da cidade, e como a prática dessa luta teria se espalhado justamente entre esses escravos, que acabavam sendo chamados de capoeiras, a prática recebeu o mesmo nome. De uma forma ou de outra, floresceu nas cidades (e seus arredores) de Pernambuco, Bahia e Rio de Janeiro, sendo sempre alvo de repressão e inspirador de temor. Se a origem da prática é rural ou urbana permanece um mistério; contudo, foi no início do século XIX que ela se espalhou de forma avassaladora entre os escravos da cidade do Rio de Janeiro - transformada em corte -, tornando-se um problema de ordem pública de proporções inesperadas antes de 1820. Uma forma de dança e luta ritualizada, representava um momento de congraçamento mas também de enfrentamento entre diversas etnias africanas, colocadas todas, a força, sob um mesmo rótulo e vivendo no mesmo local. Além disso, passou a ser um meio de ataque e defesa fundamental na resistência à repressão dos movimentos, manifestações e presença dos negros nas ruas da cidade.
[3] A Intendência-geral da Polícia e do Estado do Brasil foi criada pelo príncipe regente d. João, através do Alvará de 10 de maio de 1808. A Intendência tinha como incumbência, entre outras, organizar uma polícia eficiente e capaz de prevenir as ações consideradas perniciosas e subversivas. Foi a estrutura básica da atividade policial no Brasil.
[4] Era o órgão judicial responsável pelo julgamento das apelações de causas criminais envolvendo sentenças de morte. No Brasil, este órgão foi instalado na Corte através do alvará de 10 de maio de 1808, com atribuições semelhantes à Casa da Suplicação de Lisboa e em substituição ao Tribunal da Relação, existente na cidade desde 1752. A Casa da Suplicação de Lisboa era o tribunal de segunda instância que unia os desembargadores da Mesa Grande e da Mesa dos Desembargadores Extravagantes, bem como da Mesa dos Agravistas, da Mesa da Ouvidoria do Crime, do Juízos e Ouvidorias. Atuava nas comarcas da metade sul do país e nos territórios de além-mar, com excepção do Brasil e da Índia.
[5] Autoridade administrativa da freguesia.
[6] Na sociedade colonial o termo ‘cativo’ era sinônimo de escravo.
[7] O pelourinho consiste em uma coluna de pedra colocada em lugar público de cidade ou de vila, onde as autoridades municipais exerciam a sua autoridade e justiça. O pelourinho serviu como instrumento de castigo, onde o réu era posto com baraço e pregão para, após ser lida a sentença, ser açoitado ao som de tambores que serviam para abafar os gritos do castigado e chamar a atenção dos espectadores. Dentre os muitos homens isentos do pelourinho, estavam o clero, os juízes, os altos administradores e os oficiais de tropa. As primeiras notícias referentes ao levantamento de pelourinhos no Brasil colônia foram fornecidas por Mem de Sá em 1558. Em 1626, foi lembrado pelo ouvidor-geral Luís Nogueira de Brito a necessidade de ser erguer no Rio de janeiro um pelourinho.

 
 
 

Um caso de luta




Carta de Felicíssimo José Victorino de Souza informando a prisão dos negros quilombolas Geremias, Aleixo, João, Pedro e Domingos, acusados de vários roubos e mortes, incluindo de um soldado. Segundo o documento, os assassinatos ocorreram a mando do negro Joaquim, considerado “rei” no quilombo, que também foi morto pelos prisioneiros. As agitações causadas por negros insurretos e quilombolas marcaram o período colonial deixando registrado em documentos como este, a violência do confronto entre brancos e negros, bem como a necessidade de que fossem aplicadas punições severas e exemplares. 
Conjunto documental: Correspondência de capitães-mores e comandantes de regimentos de vilas do Rio de Janeiro
Notação: caixa 484, pct.02Datas – limite: 1771-1808Título do fundo: Vice-reinado Código do fundo: D9Argumento de pesquisa: QuilombosData do documento: 12 de outubro de 1805Local: Cabo FrioFolha(s): -    “Pelo Alferes de granadeiros do regimento do meu comando, João de Souza Braga, remeto presos os negros aquilombados[1], que constam da relação, que ponho na respeitável presença de V.Ex.ª, os quais foram uns presos, na ocasião em que roubaram no engenho[2] do capitão Antonio Gonçalves, e outros em um distante quilombo[3], no qual se levantaram com armas de fogo, por cuja causa mataram os soldados um negro, que dizem ser da viúva d. Teresa Gonçalves; e o mesmo levante fizeram os que roubaram a fazenda, os quais dispararam armas de fogo, escapando por felicidade os soldados sem maior incômodo. Do referido quilombo se escaparam seis, indo com eles um dos que capturaram [ilegível] nas ocasiões dos insultos, os quais tem sido tantos, que se considera ser um levante de negros, os quais tem inquietado todo este Distrito. Eu continuo nas mais eficazes diligências para as quais me é inteiramente necessário que V.Ex.ª se digne mandar que a Câmara assista com algum sustento para a tropa, sendo assim do agrado de V.Ex.ª . Os principais matadores dos que remeto presos, são Geremias, Aleixo, João, Pedro e Domingos, que já remeti com a parte á presença de V.Ex.ª , datada em oito do corrente, os quais fizeram várias mortes por mandado de um negro Joaquim a quem no Quilombo chamavam = Rei = e como tal o obedeciam, cujo rei, eles o mataram há poucos dias na ocasião, em que repartiam o roubo que fizeram a Joaquim Manoel, ao qual roubaram tudo quanto possuía, e o deixaram mortalmente ferido (...) Igualmente confessa o Geremias que foi ele quem matou o soldado do meu regimento, o que já participei a V.Ex.ª , sendo companheiro o negro Domingos, o qual pela confissão dos mesmos companheiros, se achava em todos os distúrbios, e também confessam, fizeram (...) várias mortes em alguns seus companheiros, o que tudo declararam perante várias testemunhas. São tantos os distúrbios, que estes insultadores têm feito, que não me posso dispensar de rogar a V.Ex.ª queira mandar vir para este Distrito as cabeças dos que forem justiçados, para exemplo, o que igualmente me requerem alguns senhores de fazendas, que julgam algum levante dos escravos[4] pelos distúrbios, que diariamente fazem os mesmos escravos, ao quais tem dado motivo de bem se suspeitar o referido. V.Ex.ª mandará o que for servido, a cujas determinações se humilhará sempre constante a minha fiel obediência. Deus guarde a V.Ex.ª . Cabo Frio[5], doze de Outubro de mil oitocentos e cinco. Felicíssimo José Victorino de Souza.”            


[1] Os aquilombados eram os escravos fugitivos que se refugiavam em quilombos.
[2] Os engenhos eram constituídos por um complexo formado por terras, construções e maquinário empregados na produção e beneficiamento do açúcar. A maior parte da primeira geração de senhores de engenho não era formada por nobres ou grandes investidores, mas por plebeus que auxiliaram na conquista e povoamento da costa brasileira. Com o tempo e a expansão do açúcar e conseqüente aumento da sua importância para a economia metropolitana, o status do senhor de engenho cresceu proporcionalmente. Os senhores de engenho dominaram a política local durante décadas, século, e até o século XVIII ocuparam a maior parte dos postos de oficial nas milícias locais, formando durante todo o período colonial um poderoso grupo de pressão, uma vez que a metrópole precisava de sua lealdade e de seus investimentos para manter a colônia e torná-la rentável.Havia uma hierarquia entre os senhores de engenho, que dependia basicamente da tradição da família e do tipo de propriedade que possuíam. Nem todos os engenhos eram iguais. O engenho real era movido a água, apresentava maior riqueza e complexidade, empregava um sem-número de oficiais de serviço trabalhadores especializados, contava com grande contingente de mão de obra escrava, grande plantação própria (além de comprar a produção de engenhos menores) e possuía toda a maquinaria para produzir o açúcar, cobrindo todo o processo. Os demais engenhos exigiam investimento menor mas também restringiam a força política do seu senhor. Eram movidos por escravos ou animais, e no caso das engenhocas, produziam basicamente aguardente. A maior parte das propriedades não era nem tão grande e nem possuía tantos escravos (média de 65 na Bahia, 35 em Campos, RJ). Embora a maior parte dos lucros resultantes da produção de açúcar se concentrasse na atividade comercial, era a produção agrícola que concedia prestígio e poder.
[3] A palavra Quilombo remete ao fenômeno conhecido pela reunião de negros fugitivos em comunidades e povoações construídas em áreas rurais e urbanas em todos os territórios das Américas onde o sistema escravocrata se estabeleceu. O Quilombo ou Mocambo, como também era conhecido aqui no Brasil, possuía uma estrutura social, política e cultural original, que se definiu pela recomposição das identidades e nacionalidades dos aquilombados, que haviam sofrido todo tipo de violência no seu cotidiano nas senzalas. Principal foco de resistência dos negros fugidos de seus cativeiros, os quilombos foram violentamente reprimidos pelas autoridades coloniais e depois imperiais, o que levou grande parte dos estudos em torno do tema a se basearam em informações retiradas de fontes militares, o que dificultou em parte as análises de aspectos não registrados por estes documentos, como ocorreu de modo geral em relação a movimentos e formas de resistência por parte de grupos que pelas suas características e pelas circunstâncias, deixaram poucos registros escritos ou que se perderam. Apesar disto, outras pesquisas revelaram que estes espaços possibilitaram aos seus agentes a redefinição das diásporas africanas através de continuidades e rupturas com experiências trazidas não apenas da África, mas também das vivenciadas nos próprios cativeiros. Diferentemente do que muitos imaginam, as comunidades de quilombolas não eram apenas uma “reação” - via isolamento radical - ao regime escravocrata. Elas se integravam às suas regiões estabelecendo um fértil comércio com negociantes locais e sendo assim quase reconhecidas por partes destes como comunidades de camponeses autônomos. A lógica desse processo pode ser explicada pela idéia de “dinamização da estratificação social” promovida pelos aquilombados que negavam o regime escravista e desejavam um regime de trabalho livre. Além disso, os aquilombados construíram uma vasta rede de alianças com outros grupos sociais e movimentos políticos, o que dificultou as tentativas de reescravização promovidas pelas autoridades locais, forçando-as à negociação. Sem duvida, o maior e mais longevo Quilombo foi o de Palmares organizado em meio às densas florestas de palmeiras na Serra da Barriga em Pernambuco entre 1605 e 1695. Palmares resistiu por quase cem anos às incursões portuguesas e holandesas, sobrevivendo com o vasto conhecimento de agricultura, pecuária, metalurgia, entre outras atividades, trazidas pelos seus integrantes.  
[4] Pessoa cativa, desprovida de direitos, sujeita a um senhor, como propriedade dele. Embora a escravidão, na Europa, existisse desde a época do Império Romano, durante a Idade Média ela recuou para um estado residual. Com a expansão ultramarina, no século XV, ela revigorou-se, mas adquiriu contornos bem diferentes e proporções muito maiores. No Brasil, de início utilizou-se a captura de nativos para formar esse contingente de mão de obra escrava. Por diversos motivos _ dificuldade em forçar o trabalho do homem indígena na agricultura, morte e fuga de grande parte dos nativos para áreas do interior ainda inacessíveis aos Europeus, lucro com a implantação de um comércio de escravos importados da África _ a escravidão africana começou a suplantar a indígena em número e importância econômica quando do início, no Brasil, da atividade açucareira em grande extensão. Apesar disso, a escravidão indígena perduraria por bastante tempo ainda, marcando a vida em pontos da colônia mais distantes da costa e em atividades menos extensivas.Uma das peculiaridades da escravidão nesse período é representada pelos altos gastos dos proprietários com a mão de obra, muitas vezes mais cara do que a terra. Iniciar uma atividade de lucro demandava um alto investimento inicial em mão de obra, caso se esperasse certeza de retorno. A escravidão e a situação do escravo variavam, dentro de determinados limites, de atividade para atividade e de local para local. Mas de uma forma geral, predominavam os homens, já que o tráfico continuou suas atividades intensamente pois, ao contrário do que ocorria na América Inglesa, por exemplo, não houve crescimento endógeno entre a população escrava na América Portuguesa.
[5] A região de Cabo Frio foi descoberta em 1503, por ocasião da 2ª expedição exploradora enviada pelo rei de Portugal d. Manuel I. Sob o comando de Gonçalo Coelho, esta expedição contou com a participação do navegador Américo Vespúcio, responsável pela fundação da feitoria de Cabo Frio, destinada à exploração do pau-brasil existente na praia do Cabo da Rama, atual Praia dos Anjos, em Arraial do Cabo. Junto com a feitoria, foi edificada uma fortaleza com a finalidade de guarnecer o litoral. A cidade de Cabo Frio foi fundada em 1615, pelo capitão Constantino Menelau após a expulsão de cinco naus holandesas.   


 fonte O Arquivo Nacional e a História

A Revolta da Chibata

100 anos de revolta da chibata 22 de Novembro dia de João Cândido símbolo contra a opressão no brasil

No dia 22 de novembro de 1910, diante de uma população atônita, tiros de canhão abalaram a cidade do Rio de Janeiro. Liderados por João Cândido Felisberto, conhecido como "Almirante Negro", marinheiros deram início à Revolta da Chibata, que reivindicava o fim dos castigos físicos na Marinha.

"A Revolta da Chibata" foi um movimento deflagrado pelos marinheiros contra os maus-tratos, que paralisou o coração do Brasil por quatro dias e custou a vida de dezenas de pessoas, entre civis e militares. A punição pela chibata até então era um hábito herdado da Marinha portuguesa. Os castigos tinham a função de educar na marra os supostos maus elementos que compunham os quadros inferiores.

Traídos, presos e torturados, os revoltosos foram expulsos da Marinha. Os marujos passaram por momentos muito difíceis. A anistia não durou dois dias. João Cândido foi um dos que mais sofreram perseguições, vindo a morrer muito pobre e doente. A sua prisão na Ilha das Cobras, foi marcada por atrocidades e barbaridades.

Após ser preso e torturado, o “Almirante Negro” foi internado num manicômio. Nos anos seguintes, enfrentou uma série de mazelas pessoais e familiares, sempre discriminado pela Marinha.

Imortalizado no samba "O mestre-sala dos mares", ele foi anistiado postumamente em julho de 2008. Agora a Revolta da chibata completa 100 anos, e o "Almirante Negro", um símbolo da luta contra a opressão no Brasil, merece destaque.

Durante a infância João Cândido viveu em Rio Pardo, no interior do Rio Grande do Sul. Filho de ex-escravizados, ele deixa cedo a vida na fazenda e alista-se na Marinha. Ali, ganha experiência viajando pelo Brasil e pelo mundo. Com bom trânsito entre os oficiais e admirado pelos companheiros, o jovem acaba liderando uma das mais importantes rebeliões populares do Brasil. O líder da revolta faleceu no Rio de Janeiro, em 1969, aos 89 anos.

O “Almirante Negro” chegou a levar fama de “perigoso”, no entanto pessoas que acompanharam sua vida após o fim da revolta afirmam que sua postura não condizia com isto. Mesmo assim sua vida foi marcada pela perseguição política, pela penúria e pelas tragédias pessoais.

Problemas financeiros, a dura rotina de trabalho descarregando peixe durante a noite e de madrugada, no entreposto da Praça XV, no Rio de Janeiro, as perdas trágicas da mulher e da filha e as recaídas constantes da tuberculose mascaram os últimos anos de vida de João Cândido.

O “Almirante Negro” passou de marinheiro a trabalhador braçal, recluso e doente. Teve a polícia em seu encalço até mesmo durante seu enterro.

Raça humana

Reflexões sobre a questão da “Raça”
Em entrevista ao Café História, a historiadora Mônica Grin fala de seu recém-lançado livro sobre a questão “racial” no Brasil e fornece importantes chaves de entendimento sobre este importante tema contemporâneo

Neste mês de novembro, a seção de entrevistas do Café História, o "Conversa Cappuccino", conversou com a historiadora Mônica Grin, que acaba de lançar seu livro: "Raça" - Debate Público no Brasil, publicado pela Editora Mauad X e pela FAPERJ. Nesta entrevista, a autora falou sobre como surgiu a idéia do livro, deu sua opinião sobre as polêmicas ações afirmativas e comentou sobre o multiculturalismo. Não deixe de conferir e de deixar seu comentário. Suas idéias são valiosas para o desenvolvimento deste tão importante tema.

Mônica Grin é professora no Departamento de História e no Programa de Pós-Graduação em História Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Coordena o Núcleo Federal Interdisciplinar de Estudos Judaicos da UFRJ e é autora de artigos e livros na área de estudos judaicos contemporâneos e de relações raciais.

CAFÉ HISTÓRIA - Professora, antes de mais nada, muito obrigado por aceitar esta entrevista do Café História. Entrando já em nossa primeira pergunta, a senhora acaba de lançar o livro “Raças” – Debate Público no Brasil. Por que este tema e porque agora?

MÔNICA GRIN - Esse tema é resultado de uma década de reflexão, quando finalizei minha pesquisa de doutorado e constatava já em 2000 a emergência de uma nova modalidade de tratamento de emergência do tema racial no Brasil: a “raça” se insinuando não mais como categoria biológica, como no passado, mas como sujeito de direitos na república brasileira. Esse tema é recuperado agora, porque entre o fim da minha tese (em 2000) e hoje, pode-se depreender uma perspectiva histórica que reforça a minha hipótese, de dez anos atrás, de que estaríamos diante de um processo de racialização em curso no Brasil. O presente livro é uma evidência de como esse processo pode ser observado hoje em vários contextos: desde juízos formulados pela opinião pública, passando por políticas públicas (adoção de cotas raciais), até debates intelectuais.

CAFÉ HISTÓRIA - Em sua opinião, como a historiografia brasileira abordou até agora a questão da raça, no Brasil ? Trata-se de uma questão já bastante analisada ou que ainda necessita de novos olhares?

MÔNICA GRIN - “Raça”, da perspectiva da historiografia, é sempre tratada como uma categoria classificatória já presente no Brasil desde a escravidão. Depois ela foi objeto de criticas à república brasileira que, através do racismo e das raciologias, teria privilegiado o imigrante em detrimento do negro, transformando o negro em um sub-cidadão, ou “quase-cidadão”. Há também os registros nos quais a “raça” dilui-se sob o signo do mito da democracia racial, que ora é objeto de rigorosa critica, especialmente criticas dirigidas a Freyre e à sua versão “condescendente” do racismo no Brasil, ora é objeto de celebração, como expressão de uma cultura racial que se fundaria na miscigenação, na tolerância e na harmonia raciais. O maior problema são os excessos de um lado e de outro. Essa questão possui hoje um novo estatuto e devemos pensá-la como uma questão que se afirma politicamente, através da luta do movimento negro de inspiração norte-americana. Trata-se de compreender hoje a forma da luta antirracista como uma luta não de eliminação da “raça”, mas como uma luta de promoção da “raça”. Hoje debate-se leis que tendem a promover a “raça”, como a lei das cotas raciais e a lei do Estatuto da Igualdade Racial. Portanto, essa questão merece novos olhares, especialmente vinda da pesquisa histórica.

CAFÉ HISTÓRIA - Estamos chegando ao fim da Era Lula (2003-2010). Durante este período houve mudanças no debate público no Brasil sobre a questão racial? Como este debate se diferencia, por exemplo, daquele ocorrido nos Governos Fernando Henrique Cardoso (1995-2002)?

MÔNICA GRIN - No governo Lula o debate sobre “raça” em geral e sobre a “raça” como sujeito de direitos, ganhou principalmente uma versão institucional. Desde 2003 o governo Lula conta com uma Secretaria Especial de Promoção de Políticas de Igualdade Racial (SEPPIR) que promove sistematicamente políticas focais ou particularistas dirigidas especialmente aos negros. A institucionalização da questão racial é parte do processo de racialização que venho identificando no Brasil há uma década. O governo FHC iniciou, no entanto, as primeiras articulações de projetos de políticas públicas dirigidas especificamente para os negros. Foi no governo FHC que essa história teve inicio, como questão política da República, e que os compromissos com o movimento negro, sobretudo a partir de Durban, em 2001, iniciam-se.

CAFÉ HISTÓRIA - Há algum tempo, a comunidade científica desconstruiu a falsa idéia de que a humanidade é formada por diferentes raças. Como podemos explicar a sobrevivência desta idéia não apenas no senso comum, mas também dentro de movimentos sociais, setores intelectuais e até mesmo em espaços acadêmicos?

MÔNICA GRIN - É espantoso mesmo! O que se diz é que não se trata mais daquela raça biológica, já condenada pela ciência. Trata-se de transformar a “raça” em uma categoria política cuja eficácia na luta contra o racismo seria indiscutível. É como se a promoção da raça fosse o melhor antídoto para se combater o racismo. Combate-se o racismo através da sua prórpria criatura, a “Raça”. Os exemplos históricos que mostram os estragos que qualquer promoção racial promoveu na Europa com o nazismo, nos EUA com a segregação racial e na África do Sul com o Apartheid, parecem não sensibilizar os intelectuais que defendem políticas públicas racializadas.

CAFÉ HISTÓRIA - No meio intelectual e acadêmico, o debate recente sobre as cotas em universidades públicas gerou manifestos pró e contra a medida. Como você se posiciona diante desta questão?

MÔNICA GRIN - O inconveniente de se tratar essa questão quer de uma perspectiva histórica, quer de uma perspectiva sociológica, é que o tema convida a posicionamentos políticos. Não sou militante de causa alguma, mas posso manifestar o meu desconforto com todas as formas de promoção racial aqui ou em qualquer lugar. Achar que o problema da desigualdade no Brasil necessita de políticas especificas para pessoas de pele mais escura, ou como se prefere, da “raça” negra, é brincar com um tema que historicamente promoveu os maiores genocídios em nome da promoção racial, do orgulho racial e das diferenciações raciais. Se ser contra os genocídios que se promovem ainda hoje em nome do racismo e da intolerância exige ser contra cotas raciais (que é uma forma de promoção racial), então sou contra as cotas raciais.

CAFÉ HISTÓRIA - Em entrevista recente ao jornal OGLOBO, o professor da USP, Demétrio Magnoli, fez duras críticas ao multiculturalismo. Para Magnoli, este tipo de ideologia gera um mosaico de comunidades e reforça políticas discriminatórias e racistas, muitas das quais servem de base para políticas demarcatórias e excludentes, como aquela do governo de Nicolas Sarkozy, na França. Professora, a senhora concorda com esta visão sobre o multiculturalismo?

MÔNICA GRIN - Desde 2000, com a finalização da minha tese de doutorado (que foi sobre multiculturalismo), venho identificando problemas de introdução desse paradigma no Brasil. Tenho salientado que o multiculturalismo em nome do reconhecimento da diferença étnico-racial e em nome da redistribuição com base em reparações históricas por violências cometidas no passado, vêm introduzido no Brasil uma das mais nefastas ideologias raciais: a de que a sociedade brasileira seria dividida basicamente em duas “raças”: a branca e a negra, e que tal divisão é a melhor maneira de identificar qual “raça” deve ser sujeito de direitos no Brasil, com base em direitos de reparação histórica a que governo brasileiro deve aceder. Ademais, o multiculturalismo exibe sua força quando, uma vez disseminado em vários órgãos do governo brasileiro, ou instituições brasileiras, acaba por transformar temas caros à nossa cultura, em objeto de tribunal racial. Parte da obra de Monteiro Lobato (e quantos outros virão) é considerada pelos adeptos do multiculturalismo que hoje estão à serviço do Estado brasileiro, como politicamente incorreta, uma vez que se refere de forma “racista” a sua personagem negra, Tia Anastácia, por exemplo.

CAFÉ HISTÓRIA - África do Sul, Estados Unidos, França. Todos esses países são citados quando ao assunto é a questão racial. No que a discussão racial nestes países de se aproxima ou diferencia da discussão racial travada no Brasil?
MÔNICA GRIN - A experiência pós-apartheid da Africa do Sul e de Ações Afirmativas nos EUA do pós-segregação, são, em geral, associadas aos exemplos ativados por segmentos do movimento negro e da inteligentsia que apóiam a promoção racial no Brasil. No caso da França, aqueles que são adeptos das políticas republicanas universalistas, tendem a olhar para o caso Frances como um caso de resistência republicana aos apelos do multiculturalismo.

CAFÉ HISTÓRIA - Hoje, na internet, há muitos blogs e fóruns de discussão, inclusive em domínios brasileiros, que negam o holocausto nazista, que acusam os judeus de dominar a economia e os meios de comunicação. São discursos frágeis, mas que acabam convencendo muitas pessoas não-especialistas no tema. Como podemos classificar este tipo de discurso? Antissemita? Antisionista? Ambos? O que diferencia hoje essas duas classificações? Devemos nos preocupar com um recrudescimento do antissemitismo?

MÔNICA GRIN - Sou sempre muito crítica em relação aqueles que se apóiam em teses conspiratórias que vê o antissemtismo em todos os lugares e em todos os tempos de uma e da mesma maneira. Hoje o antissemtismo possui outros ingredientes que já não estão fundamentados nas dinâmicas antissemitas de contextos como da guerra e do período pre-guerra. O antissemitismo hoje está mais associado ao anti-sionismo, à crítica as formas como o Estado de Israel lida com os seus “outros” não judeus. Isso não significa negar que na Internet há manifestações racistas e que tal fato atrai os incautos. Sabemos que há no Brasil, no entanto, lei que pode perfeitamente penalizar essas manifestações.

CAFÉ HISTÓRIA - Professora, muito obrigado pela sua atenção. Para encerrar, que referências bibliográficas a senhora recomendaria para os leitores do Café História que desejam se aprofundar no assunto?

MÔNICA GRIN - FRY, P. e MAGGIE. Divisões Perigosas; FRY, P. A Persitência da RaçaO Atlantico Negro; MAIO, M. e VENTURA, R. Raça: uma questão; entre outros

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Um quilombo na Chapada

O quilombo resiste

No sertão da Bahia, uma comunidade remanescente de quilombos, há séculos na região, luta para sobreviver em meio ao descaso do governo. Resta muito pouco de sua cultura original, pagada ao longo do tempo por causa do preconceito dos brancos.
Por Leonardo Sakamoto
Vista do Povoado da Barra
Além dos contrafortes ao sul da Chapada Diamantina, em meio a uma terra desbotada pelo açoite os anos, um povo luta para sobreviver ao rolo compressor da modernidade. A centenária comunidade remanescente de quilombo de Barra e Bananal - a cerca de 15 quilômetros de pó e buracos da histórica Rio de Contas - tenta se adaptar ao mundo contemporâneo e ao mesmo tempo resgatar parte de seu passado perdido.
Quem chega a esses vilarejos pensando em encontrar casas de palha cobertas com telhados de folha de palmeira - no melhor estilo tribal angolano - se decepciona logo de cara. Antenas parabólicas brotam do alto de casinhas coloridas, esparsas, difíceis, pipocando aqui e ali, mais como testemunhas do que como réus. Tanto em Barra quanto em Bananal, as igrejas são o centro da vida social como em qualquer outra cidade do interior. Construções não são muitas. Dá para contar nos dedos das mãos (calejadas com o trabalho nas roças) e dos pés (cansados de caminhar nas estradas poeirentas). As cruzes no único cemitério competem com as ervas daninhas e o mato para ver quem fica com a atenção do visitante. O rio Brumado, de águas cristalinas, corta os vilarejos indo morrer na barragem mais à frente.
Povoado do Bananal
O lugar é bonito. À esquerda o Pico das Almas, que guarda lendas douradas de um tempo em que se jogava pó de ouro em cima dos santos nos dias de procissão. Por todos os lados e sob os pés, a Chapada Diamantina. Como língua local, o já batido e tão falado português. Dialetos africanos se perderam no tempo, varridos da memória até dos mais velhos. No século XVII, um navio negreiro vindo da África naufragou na costa baiana próximo de onde é hoje a cidade de Itacaré. Os sobreviventes nadaram até a praia e, tendo o curso do Rio das Contas como guia, adentraram sertão acima em busca de um lugar seguro para se estabelecerem. Escolheram as cabeceiras do Rio Brumado e por lá ficaram, cultivando suas roças, mantendo sua culturas, suas tradições. Porém, a descoberta de ouro na Chapada Diamantina trouxe aventureiros ávidos pelo metal dourado.
Bandeirantes chefiados por Raposo Tavares escravizaram os quilombolas, colocando-os para remexer cascalho. Não foram erguidas senzalas e os negros continuaram vivendo em suas terras enquanto foi erguida a vila de Mato Grosso para os brancos. Com a exploração, o ouro foi escasseando e as atenções se voltaram para o norte da Chapada, região de Lençóis, onde haviam sido descobertas jazidas de diamantes. Com isso a liberdade foi reconquistada, mas o preconceito e a discriminação continuou.
Centro do povoado da Barra
O cotidiano não varia muito. Barra do Brumado está a aproximadamente dois quilômetros de Bananal e é o centro da comunidade. Em volta de ambos os vilarejos, as roças se espalham feito um tapete esburacado pelos morros ao redor. Nessa época do ano, pouca chuva, muito pó que, de tempos em tempos, encontra-se com o vento e realiza pequenos redemoinhos na praça central de Barra. De um lado a igreja, do outro o posto de saúde e a escola. Os alunos da 1ª à 4ª série do ensino fundamental ficam por lá mesmo. Depois, só em Rio de Contas. Um ônibus escolar branco faz todo o dia o trajeto entre a cidade e os vilarejos levantando poeira em uma estrada carroçável, mas nem tanto.
A energia elétrica chegou há quatro anos e a água encanada em 1988 depois de muita briga por parte da comunidade. Os políticos locais do passado, seguindo a inércia racista, fizeram de tudo para que ambas não fossem instaladas nos arraiais. A luz poderia ter vindo muito tempo antes. Porém, foi desviada para que os "negros" não fossem beneficiados.
O posto de saúde existe na comunidade desde 1986 e possui agentes de saúde. Um trabalho conjunto com a Pastoral da Criança acabou com a desnutrição no lugar e diminuiu as complicações pós-parto. Antes, morria-se muito do "mal do sétimo dia" (infecção que começa no umbigo do recém-nascido). Passava-se óleo e outras misturas para acelerar a queda do umbigo. Hoje, as doenças cardíacas são as que mais matam nos arraiais e não raros são os casos de pressão alta.
De acordo com a Fundação Palmares, as comunidades, juntas, possuem por volta de 740 habitantes. Desse valor, desconta-se as migrações sazonais, o pessoal que vai para São Paulo, depois volta para o Nordeste, desce de novo para o sul e retorna ao norte num vai e vêm sem fim. Provavelmente, metade disso é de residentes fixos.
Os sobrenomes são poucos. Silva, Jesus, Sousa, Ramos, Santos. Basicamente essas são as famílias. Muitos casamentos endogâmicos, isto é, entre parentes, primo com prima, tio com sobrinha. Os sobrenomes vão se cruzando, se misturando. "Mas, na verdade, todo mundo é primo", como atesta Claudina Silva, 80 anos, uma das moradoras mais antigas da comunidade. O que é óbvio se considerarmos que o casamento com pessoas de fora da comunidade é uma novidade das últimas décadas. Por isso, antigamente era muito comum bebês nascerem com defeitos físicos ou mentais.
Claudina Silva na sua horta de mandioca
Encontramos Claudina na sua roça de mandioca, remexendo a terra, arrancando ervas daninhas, sob um sol forte. Pele curtida pelo tempo e dona de um gostoso sotaque arrastado, lembra da época em que a pobreza era mais brava e que o rio Brumado, nos meses de chuva, ilhava certas partes da comunidade. "Tínhamos que arremessar comida para as pessoas que ficavam presas do outro lado pois não haviam pontes." E o tempo também foi bom para sua voz, curtida, como em um velho barril de carvalho. Cadê, meu bem?, ah!
Pra me carinhar, ah!
Saudade dele, ah!
Quer me matar, ah!
Se eu disser que bala mata, ah!
Bala não mata ninguém, ah!
A bala que mata gente, ah!
É amar e querer bem, ah!

Claudina (á direita) e sua irmã Maria na fachada de sua casa
Entre uma cantiga e outra, chegamos à casa onde ela e sua irmã Maria, de 79 anos, vivem juntas. Nunca se casaram. "Eu até tinha achado um rapaz bonito, mas o pai não deixou", lembra Claudina remexendo o passado num misto de aceitação e saudade. A televisão para elas, treco de fazer doido. Esquecida na estante, ganhando poeira, tem menos importância que a janela, que dá de frente para a praça e para o movimento do arraial.
"Nossos pais contavam histórias de sofrimento, da época da escravidão. Mas não queríamos ouvir as coisas dos mais velhos porque achávamos que era caduquice. Aí eles morreram e a gente, que não soube aproveitar, perdemos isso para sempre." Nas palavras de Claudina, o testamento de um povo. O racismo que sofreram fez com que, ao longo dos anos, os negros das comunidades substituíssem sua cultura, tradições, crenças pelas dos portugueses. No imaginário das pessoas, as coisas que vinham dos brancos eram melhores que a dos negros. Candomblé e dialetos tribais estavam ligados à escravidão e por isso foram sendo abandonados. Enquanto isso, catolicismo e língua portuguesa adotados incondicionalmente.
Inventario do século XVIII relacionando a posse de escravos negros
A maior quebra nesse processo deu-se entre a geração dela e a anterior, ou seja, provavelmente na primeira metade desse século. A escravidão ainda se achava recente, coisa que muitos queriam esquecer. O pensamento era o mesmo que levou Rui Barbosa a queimar ingenuamente centenas de documentos relacionados à prática escravocrata no Brasil. O objetivo: "apagar" uma parte detestável da história. Ignora-se, com isso, o verdadeiro papel da História que é justamente se fazer lembrar de certos acontecimentos para que eles nunca mais se repitam. Sobraram algumas coisas apenas. O bendengó, uma dança que se faz aos pares e que fica boa com dez participantes ou mais, parecida com o samba. Ainda é ensinado na escola do vilarejo de Barra. A utilização de alguns instrumentos, como o tambor, o pandeiro e o triângulo - esses dois últimos já frutos de uma mistura de tradições. Além de rezas, "excelências" (para encomendar as almas mortas para o outro mundo) e as cantigas de roda.
"Os velhos estão acabando e, se não tomarmos cuidado, com eles vão embora muitas das tradições que nos restam", alerta Carmo Joaquim da Silva, presidente da Associação de Desenvolvimento Comunitário Rural de Barra do Brumado, Bananal e Riacho das Pedras. Carmo é o líder local e tenta trazer de volta para o quilombo a cultura dos negros que se perdeu. Para isso, tem recebido apoio de grupos de consciência negra de Salvador. Em Barra e Bananal comemora-se o dia 20 de novembro (Dia da Consciência Negra) aniversário da morte de Zumbi e não o 13 de maio que, segundo eles, foi um "acordo de reis e da Europa para vender seus produtos".
Os tijolos de adobo são ultilizados coo principal material de construção das casas ha séculos
"Nosso povo ainda não tem consciência da sua raça". Carmo Joaquim conta que as coisas começaram a mudar de uns dez anos para cá. "Antes a gente mesmo se inferiorizava, achávamos que não tínhamos acesso a certas coisas porque éramos negros e concordávamos com isso. A palavra "negro" era uma ofensa. Preferíamos preto, moreno." Há mais ou menos dez anos resolveram colocar o tambor, o pandeiro e o triângulo nos cultos da igreja. "Aí o padre disse que finalmente estávamos usando o que é nosso."
"Nos últimos 300 anos, nossa cultura se perdeu, foi tomada. Não houve resistência. Queremos que o pessoal que trabalha conosco em Salvador nos explique o que perdemos", completa Carmo Joaquim.
Durante séculos, as comunidades de Barra e Bananal passaram por um lento, mas contínuo, processo de apagamento de sua cultura. Ora por influência do racismo externo e o bombardeamento de valores ocidentais, ora por uma autocensura que se tornou maior após a abolição da escravidão.
Centro da cidade de Rio das Contas que teve seu apogeu com o ouro
Porém, durante esse último quarto de século a região sofreu sua maior transformação. Parte das terras dos povoados foram desapropriadas para a construção do açude Público Luiz Vieira, que serve principalmente aos municípios de Livramento, Dom Basílio e Rio de Contas. A obra realizada pelo Departamento Nacional de Obras contra as Secas (DNOCS) visava retirar esses municípios da estagnação econômica, usando a água tanto para consumo das cidades quanto para a irrigação. Porém, a barragem não democratizou o lugar. Segundo a Fundação Cultural Palmares, a barragem do rio Brumado coloca em xeque as possibilidades de reprodução sócio-econômica das coletividades negras de Rio de Contas. O enchimento do lago significou a perda de mais de 50% das terras férteis disponíveis, além de ter sido responsável pelo fim do arraial de Riacho das Pedras. Muitos de seus moradores se estabeleceram em terras mais acima, nos outros dois povoados ou simplesmente migraram para outras cidades da Bahia ou mesmo São Paulo. A implementação deste projeto estatal beneficiou apenas pequenos, médios e até grandes produtores das cidades circunvizinhas de Livramento de Brumado e Dom Basílio.
Vista do centro do povoado de Barra
Desde 1983, com o enchimento do lago, as comunidades aguardam ressarcimento do DNOCS pelas áreas submersas. Em uma manobra injusta, o Departamento estipulou que a indenização seria feita apenas pelas benfeitorias, ou seja, casas, dispensas, celeiros e coisas do gênero. Vários moradores não possuíam certificados de propriedade das terras, apesar de ninguém discutir sua posse secular.
Desconsideravam-se as terras. É mais ou menos como ser enxotado de casa e ser pago apenas pelos armários que você deixou.
Em um relatório de agosto de 1999 do próprio DNOCS, o órgão reconhece a situação de pobreza a que estão submetidos os moradores e que também não realizou o pagamento às famílias sem títulos de terra.
Porém, de acordo com Carmo Joaquim da Silva, presidente da associação de moradores, muitos moradores possuíam escrituras das terras que o DNOCS teria levado sob a promessa de melhorar a comunidade, construir uma agrovila, escolas públicas, trazer médicos. "Isso foi na década de 70 e, como não havia ninguém que nos abrisse a cabeça, nos demos o que eles pediram."
Segundo Carmo, depois a empresa pediu que todos abandonassem as terras. "O pessoal de Riacho das Pedras só saiu com o toque da água. Um devoto de Bom Jesus colocou o seu oratório na cabeça e, quase coberto de água, saiu chorando. Antes da titulação das nossas terras pelo governo éramos considerados invasores em nossa própria casa."
Carmo Joaquim segura título conferido a comunidade
Com o título de comunidade remanescente de quilombo, a propriedade das terras voltou a eles em definitivo. Porém aguarda-se ainda as compensações prometidas pelo DNOCS desde 1984. Projetos de urbanização dos vilarejos, melhoria de saneamento básico, treinamento de mão de obra especializada para o trabalho agrícola e programas de assistência social estão entre as promessas. Os projetos gerariam empregos para absorver os trabalhadores desempregados que foram tentar a vida nas cidades do Sul e Sudeste e agora estão voltando devido à crise econômica. O solo do sertão é perfeito para o plantio de frutas. E nas comunidades a coisa não é diferente. Abacaxi, mamão, manga, romã, laranja, jaca, banana. Além de milho, feijão, algodão e a boa e velha mandioca. Barra possui uma moenda comunitária para a produção de farinha. E um dos principais itens, o projeto de irrigação de terras cultiváveis está com o cronograma atrasado. De acordo com o próprio DNOCS, as obras deveriam ter começado em março desse ano para terminar até dezembro. Mas até agora nada.
A comunidade cobra a curto prazo, outras compensações que viriam na forma de instalação de um meio de comunicação com o mundo exterior (o telefone mais próximo fica a 15 quilômetros em Rio de Contas e celular não pega ali) e a criação de um espaço cultural com biblioteca, computador, televisão e vídeo para ser montado um arquivo da comunidade e guardadas as tradições que restaram. A abertura de uma escola até a 8ª série para que não necessário as crianças viajarem todo dia para Rio de Contas e a construção de uma escola agrícola para orientar os jovens a trabalharem na própria terra ao invés de migrarem às grandes capitais.
A briga com a empresa do governo está na Justiça. Porém o horizonte de perspectivas anda distante apesar de soluções tão simples. Simples e difíceis como os contrafortes da Chapada Diamantina. Turistas visitam as comunidades, muitos deles estrangeiros. Querem ver de perto uma cultura que vem se mantendo a duras penas ao longo dos séculos. Uma cultura que, se nada for feito, seremos os responsáveis por cobri-la com as águas do esquecimento. Uma cultura que tem como a palavra falada seu principal condutor.
Igreja histórica na cidade de Rio das Contas construída por escravos
O governo agora vem se mexendo, mas ainda em um rito lento para a espera secular dessas pessoas. Barra e Bananal são apenas uma das 724 comunidades remanescentes de quilombo que existem no Brasil. Cada uma com sua história, cada uma com seus problemas. Porém todas unidas na tentativa de sobreviver em uma sociedade que estipula valores de certo e errado como se ela mesmo fosse infalível. Que julga e condena à exclusão quem não segue seus preceitos. Que se diz pluralista e liberal quando na verdade todos sabemos que o valor dado ao negro ainda é inferior do que o dado ao branco. Isto não é uma crítica apenas ao governo e sim a todo nós. Que tipo de democracia estamos construindo em que cismamos em pisar nas minorias? Se é que podemos chamar de minoria 2 milhões de pessoas que pedem para serem reconhecidas e tratadas, não com privilégios - apesar da imensa dívida que o Brasil tem com os descendentes de escravos - mas sim com igualdade.
Quilombos no Brasil
Existem classificadas 724 comunidades remanescentes de quilombos no país, totalizando mais de 2 milhões de pessoas, distribuídas em 30,6 milhões de hectares de terra. Terras que não necessariamente lhes pertencem, apesar da ocupação secular. E como não possuem certificados de propriedade, ficam à margem da sociedade, não podendo, por exemplo, pedir empréstimo em banco para plantar.
Desde 1998, o governo vem conferindo a essas comunidades títulos que atestem a descendência de antigos quilombos e passando para as mãos dos atuais moradores as terras em definitivo. Até agora, 18 comunidades já receberam seus títulos, faltando apenas 706.
Atestado de culpa
Seguem-se abaixo trechos do relatório do DNOCS com relação à construção do açude público e inundação das terras quilombolas:
"O Projeto tornou Livramento hoje um município próspero, com taxa de crescimento superior aos demais municípios vizinhos, abastecendo o mercado interno e exportando excedentes para o mercado internacional.
As ações que fizeram a riqueza da população residente à jusante da obra, motivaram o agravamento da pobreza nos arraiais negros de Barra, Bananal e Riacho das Pedras. A construção da barragem impossibilitou a prática da agricultura nos solos mais férteis do vale, deslocando suas atividades para os tabuleiros nas cotas mais altas onde, além da carência de minerais essenciais ao cultivo, não existe água para a manutenção das culturas.
O enchimento do reservatório do açude público Luiz Vieira eliminou para aquelas comunidades as condições de trabalho que garantiam-lhe, mesmo que de forma rudimentar, sua sobrevivência." (...)
"Privados de suas terras, sem recursos financeiros e assistências, os quilombos negros de Barra, Bananal e Riacho das Pedras dificilmente serão mantidos. A exemplo do arraial de Canudos [também na Bahia], ao levar o desenvolvimento econômico à região, pode-se estar, também, destruindo um outro marco histórico."
Rio de Contas, Setembro de 2000

extraído do http://www.reporterbrasil.com.br/exibe.php?id=9  texto do Leonardo Sakamoto.

Em seis cenas: consciência negra e outros “delitos”

Em seis cenas: consciência negra e outros “delitos”

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Ações internacionais

Ação Internacional da FCP

O governo do presidente Lula promoveu nos últimos anos um intenso intercâmbio comercial e cultural com o Continente Africano. Já visitou vinte países para consolidar essa proposta de aproximação e explorar esse imenso potencial ecônomico e cultural. As relações com a África tornaram-se prioridade para o presidente Lula, por ele entender que o Brasil tem uma dívida histórica com aquele Continente, devido aos anos de escravidão e o tráfico de seres humanos para aqui servirem aos senhores feudais.
Durante o lançamento do III Festival Mundial de Artes Negras, em Salvador, em junho deste ano, o presidente Lula ressaltou a inegável importância dos negros na construção do Brasil. "O modo de vida de cada brasileiro e brasileira, a nossa língua, a nossa arte, a nossa forma de ver o mundo e, principalmente, o nosso jeito de ser têm raízes fincadas no solo africano [...] um continente que ajudou o povo brasileiro a ser como somos: alegres, batalhadores e com alma grandiosa".

Este novo capítulo nas relações Brasil e África está definitivamente escrito para a posteridade, sabidamente pelo compromisso com que o atual governo brasileiro tem se empenhado desafiadoramente para proteger e valorizar a diversidade das expressões culturais do mundo negro.

No âmbito do Ministério da Cultura, a Fundação Cultural Palmares foi chamada a dar corpo a esta nova política. Além de desenvolver programas e projetos de cooperação e intercâmbio com países francófonos, como o Senegal e o Benin, A Fundação tem a responsabilidade ainda de fortalecer políticas comuns nos países africanos de língua portuguesa, que fazem parte da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP).

Além de uma ação específica para o continente africano, dentro da América Latina, as ações da Fundação Cultural Palmares estão também norteadas para uma política de aproximação com o Continente Africano, que busca evidenciar a preservação, valorização e difusão das manifestações culturais de origem negra.

A necessidade de articular a cooperação, o intercâmbio, a promoção e a divulgação da cultura afro entre o Brasil e países da América Latina e Caribe foi bastante evidenciada no 1º Encontro de Ministros da Cultura Latino-Americanos, para criar uma agenda afro-descendente nas Américas, realizado em 2008, em Cartagena de Índias, Colômbia.

Considerado um marco na proposta de cooperação multilateral entre os países ibero-americanos que elegeram a diversidade cultural como objetivo de um projeto de integração, este primeiro encontro de ministros da Cultura discutiu a necessidade de definir uma agenda comum entre os países, que seja capaz de construir processos de fortalecimento de identidade e integração das manifestações culturais afro-descendentes.

Entre as ações definidas pela Fundação no âmbito internacional, destacamos:

1- Ações África:

# CPLP - No âmbito da lusofonia, foi criado o portfolio de projetos da CPLP, no qual já figuram 23 projetos para os quais há de se buscar fontes de financiamento.

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BENIN - País do qual provém grande parte dos afrodescendentes brasileiros e berço do candomblé. A FCP fomenta um resgate das relações ancestrais, promovendo o intercâmbio entre o Brasil e o Benin, por meio de um acordo na area da cultura. O ponto alto desta cooperação foi a Semana do Benin na Bahia, organizada pela FCP, com 60 participantes vindos do Benin, que ocorreu de 18 a 23 de novembro de 2009 em Salvador.

A semana do Benin na Bahia é parte do intercâmbio cultural acordado entre os dois países. Foi uma produção da FCP e do MinC que coincidiu com o Dia Nacional da Consciência Negra no Brasil, 20 de novembro de 2009. Várias instituições do governo federal estiveram presentes e o Presidente Lula foi homenageado nesta ocasião pelos representantes do Benin convidados pelo MinC.
SENEGAL - O Senegal busca aglutinar a diáspora africana no mundo em torno ao ideal do Renascimento Africano. Para tanto, o governo do Senegal está organizando o III FESMAN, Festival Mundial das Artes Negras, previsto para dezembro de 2010. Inicialmente, existiu um projeto de Festival concebido para 2009. No entanto, seu o conceito está sendo revisto pelos atuais organizadores, e a coordenação está a cargo de Sindiely Wade. Por tal razão, a Srta. Wade veio à Brasília, apresentar o novo formato do III FESMAN ao Ministro da Cultura e ao Presidente da FCP. Na ocasião foi reiterado que o Brasil será o país-convidado, por possuir a maior diáspora africana no mundo.


2- Ações Américas:

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INTERCÂMBIO AFRO-LATINO - Visa criar políticas públicas comuns entre os países latino-americanos que contam com uma diáspora africana. O objetivo recíproco é o de preservar, valorizar e divulgar manifestações culturais de origem negra no continente. Uma das consequências de tal agenda foi a criação do OBSERVATÓRIO AFRO-LATINO, mecanismo que serve para aprofundar o conhecimento das manifestações de matriz africana nos países da América Latina.


II ENCONTRO AFRO-LATINO - Salvador, Bahia, de 25 a 28 de maio de 2010.

O II Encontro Iberomericano de Ministros da Cultura para a Agenda Afrodescendente nas Américas reuniu ministros, e representantes dos Ministérios da Cultura e de instituições culturais dos seguintes países: Barbados, Brasil, Colômbia, Cuba, Equador, Jamaica, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Uruguai e Venezuela. Além de tais países, estiveram presentes representantes da UNESCO e da SEGIB, assim como a Agência de Cooperação Espanhola - AECID e o Programa ACUA-FIDA, na qualidade de observadores.

Chamado II Encontro Afro-Latino, esta reunião ministerial foi consequência do I Encontro Iberomericano de Ministros da Cultura para a Agenda Afrodescendente nas Américas, convocado pelo Ministério da Cultura da Colômbia em 2008. Na ocasião, foi redigida a Declaração de Cartagena, sobre a qual se baseou a atual Declaração de Salvador. A Declaração de Salvador é resultado do acordo ao qual chegaram os países presentes, e tem por objetivo aprofundar o intercâmbio de experiências sobre políticas públicas para a implementação da "Agenda Afrodescendente nas Américas" com ações afirmativas para a igualdade racial. Ademais, representa um avanço no marco para propostas de cooperação entre os países por meio do intercâmbio, da promoção e da divulgação da cultura afrodescendente nos países da América Latina e Caribe promovendo novos horizontes para uma agenda multilateral 2009 - 2019.

Paralelamente ao II Encontro Afro-Latino, que assegura a base institucional para a cooperação, a FCP promoveu o Encontro de Pensadores, dirigido à sociedade civil, que reuniu agentes políticos, sociais, intelectuais e especialistas na área da cultura afrodescendente na América Latina e Caribe. A FCP organizou o Encontro de Pensadores para fomentar um foro de interação de diferentes agentes sociais através de conferências, mesas de discussão, grupos de trabalho e debates. É deste tipo de Foro que as instituições publicas retiram subsídios, informações específicas, questionamentos e diretrizes para definição de políticas públicas capazes de valorizar e promover todos os aspectos da cultura afrosecendente no Brasil e nas Américas.

Fundação Palmares