sábado, 27 de novembro de 2010

A Arte africana na sala de aula

A arte africana e afro-brasileira foi tema de estudo de meu TCC do curso de licenciatura em Artes Visuais da UNESC, finalizado em 2006.  A partir daí, reconheci a relevância do mesmo, e procuro desenvolver projetos bordando esta questão em todas as turmas e escolas nas quis trabalho.
No ano de 2007, durante o segundo semestre, desenvolvi junto aos alunos de 5ª a 8ª série da E.E.B. Ângelo Izé o projeto intitulado “Arte e cultura africana e afro-brasileira: conhecer para respeitar”. Era meu primeiro ano como professora de Artes na referida instituição de ensino, a qual está situada numa zona rural da cidade de Forquilhinha, sul de Santa Catarina, local conhecido por sua colonização predominantemente alemã. Não havia nenhum aluno afro-descendente nas turmas envolvidas, o que tornou o tema mais desafiador ainda.
O objetivo geral do projeto foi propiciar o conhecimento de determinadas manifestações artísticas africanas e afro-brasileiras, levando os alunos a refletir sobre a importância dos afro-brasileiros em nossa formação cultural, de modo a valorizar estas contribuições.
Partindo de um diagnóstico realizado com todas as turmas com as quais eu trabalhava verifiquei que as mesmas possuíam uma concepção estereotipada da África tais como: “A África é muito pobre.” “Eu sei que a África é um país seco.” “A África é um país pobre e de clima quente.” No início do projeto, os alunos sequer tinham a concepção de que a África é um continente. Diante disto, antes de falar da arte propriamente dita, trabalhei com todos os alunos textos que os levassem  compreender que África é um continente diversificado, que lá existem riquezas e diversidade climática, sendo que em alguns locais mais altos ocorre até  mesmo neve.
Todas as turmas alunos assistiram a um vídeo sobre a Guiné-bissau, o qual mostra um pouco da cultura e vida em sociedade deste país africano. Desta forma, ressaltou-se que cada país da África é formado por diferentes etnias, e cada uma delas possui sua particularidade. Não se pode generalizar quando se fala em África, devemos falar em “Áfricas”.
As 5ªs e 6ªs séries também assistiram o desenho animado “Kiriku e a Feiticeira”. O filme mostra uma África não estereotipada, ao contrário de desenhos já conhecidos pelos alunos, como o “Rei Leão” da Disney. Neste desenho, as músicas são realmente africanas, ressaltando batuques e danças. Tendo o filme como ponto de partida, discutimos sobre os aspectos relacionados à cultura brasileira, sendo que os alunos conseguiram apontar que a alegria, o vestuário, as danças que aparecem no desenho têm a ver com a nossa cultura.
Com as 7ªs e 8ªs séries, foram trabalhados textos de maior complexidade e abrangência. Os alunos leram os textos e juntos discutimos seus aspectos relevantes.
Todas as turmas tiveram a oportunidade de apreciar por meio de imagens em livros, algumas importantes obras de arte africanas. Aprenderam que a escultura é a manifestação artística que mais se destaca, e que os africanos realizavam esculturas em bronze com técnica de cera perdida muito antes dos europeus chegarem ao continente.
Depois desta tentativa de tentar nivelar o conhecimento acerca da África, cada turma foi contemplada com o estudo de um artista afro-brasileiro.
A 5ª série conheceu o trabalho da artista brasileira contemporânea Rosana Paulino, a qual produz obras relacionadas ao tema da situação da mulher afro-descendente na sociedade. Como atividade prática, os alunos produziram uma colcha de retalhos, inspirada na obra “Parede de Memória” da artista estudada. Esta obra evoca a ancestralidade, característica importantíssima para os africanos.
As 6ªs séries conheceram a vida e obra do artista Mestre Didi através do DVD da dvdTeca Arte na Escola “Mestre Didi: arte ritual”. Além de artista, este é sacerdote dentro da religiosidade nagô. Suas obras são produzidas utilizando elementos da natureza e estão relacionadas à religiosidade africana. Os alunos, a partir deste estudo, reconheceram que a religião africana influencia algumas manifestações da religiosidade popular brasileira. Como atividade prática, criaram obras usando elementos facilmente encontrados nos arredores da escola, como cascas de palmeiras, bambus e outros.
As 7ªs e 8ªs séries estudaram a vida e obra de Rubem Valentim, também artista brasileiro, por meio da apreciação e discussão do DVD da dvdTeca Arte na Escola intitulado “Rubem Valentim: geometria sagrada”.
Rubem Valentim apropria-se dos emblemas dos orixás e os geometriza. Foi uma boa oportunidade de abordar a questão dos orixás, desmistificando a concepção inicial que tinham os alunos,ou seja, a de que orixás eram deuses. Aprenderam que estes são forças da natureza, e reconheceram os símbolos dos orixás Oxossi, Ogum, Xangô, Oxalá e Exu. A partir deste estudo, os alunos recriaram as obras de Rubem Valentim, tendo como tema aspectos de sua própria vida e religiosidade.
Além de realizar a produção artística, os alunos precisavam refletir sobre a mesma, escrevendo o que os levou a representar sua composição.
Convivendo com a diversidade: exposição dos trabalhos afros em festa alemã.
Os trabalhos artísticos produzidos durante o projeto foram expostos na Heimatfest , festa alemã tradicional da cidade de Forquilhinha. Foi uma forma de levar o projeto para além dos muros escolares, permitindo que a população local também compreendesse a importância dos afro-descendentes para nossa formação cultural.

O aprendizado dos alunos
Após os estudos, os alunos mudaram suas concepções iniciais sobre a África, aprendendo mais sobre sua arte e alguns aspectos históricos e geográficos. Reconheceram a influência africana dentro de nossa cultura, percebendo que, sendo o Brasil composto por 50% de afro-descendentes, não se pode ignorar seu estudo dentro do currículo escolar, independente da existência de uma lei que obrigue.
Os estudantes perceberam como a arte africana influenciou a arte brasileira e mesmo internacional, pois comentamos que Pablo Picasso, renomado artista espanhol, desenvolveu o Cubismo partindo das máscaras africanas que apreciou numa exposição.
Destaco os escritos de alguns alunos:
“A África possui bastante riquezas. Eu não sabia que o funk, o carnaval, o reggae, vieram da África.”
“Os africanos faziam esculturas realistas e algumas simplificadas.”
“Tudo o que os africanos faziam tinha um significado importante. Pablo Picasso foi influenciado pelas esculturas africanas.”
“Nunca imaginei que os africanos davam tanta importância para a fertilidade da mulher nas esculturas mostrando ventre e seios. A barba representava sabedoria.”
“Algumas artes do Brasil vieram da África. Não é só pobreza, eu achava que era pobre, achava que era um país, mas é um continente.”
“Aprendi que na África também neva. Que eles se preocupavam com a simetria das obras, mesmo quando essas eram usadas para alimentação. Usavam a técnica de cera perdida. Me surpreendi porque achava que a África era só pobreza.”

É um desafio para os educadores a implementação dos conteúdos relacionados à arte e cultura africana e afro-brasileira. Embora se reconheça muitas iniciativas a respeito do tema, existe ainda uma lacuna dentro das escolas, quer por desinteresse ou mesmo falta de  preparo por parte do corpo docente. Não há receitas que possam prescrever de que forma trabalhar estes conteúdos, mas, creio que uma coisa é imprescindível: que o professor realmente esteja convencido da importância destes conteúdos estarem inseridos no PPP das escolas.
Quem quiser conferir mais fotos das produções dos alunos, basta entrar no link do site Arte na Escola: http://www.artenaescola.org.br/sala_galeria_album.php?album=330. Publiquem lá também seus trabalhos!
Julmara Goulart Sefstrom - Cocal do Sul -SC

Os capoeiras de antes


 

Carta de Antônio Felipe Soares d’Andrada de Brederode pedindo a punição de negros capoeiras cativos em praça pública. Segundo o documento, eram conhecidos por capoeiras negros forros, livres e cativos, que eram procurados pela Polícia por cometerem delitos freqüentes no Rio de Janeiro.  Em função do temor que a sociedade colonial nutria de levantes de escravos, a punição aos delitos cometidos pelos negros deveria servir de exemplo aos outros. Através desta carta, percebe-se ainda uma certa distinção feita entre negros forros e cativos quanto aos castigos recebidos, embora a intenção do exemplo fosse a mesma.  
Conjunto documental: Ministério da Justiça
Notação: caixa 774, pct.03Datas – limite: 1808-1817Título do fundo: Ministério da JustiçaCódigo do fundo: 4v Argumento de pesquisa: Revolta de escravosData do documento: 27 de fevereiro de 1817Local: Rio de JaneiroFolha(s): -   
“Senhor, Sendo freqüentes os delitos preparados por indivíduos desta cidade, forros[1] e livres uns; cativos outros; conhecidos pela denominação de capoeiras[2]; tem a vigilante Polícia[3] buscado capturá-los, as Justiças processá-los, e a Casa da Suplicação[4] sentenciá-los com exemplar zelo e interesse do Chanceler que serve de Regedor[5], especialmente nas visitas da Cadeia em que é juiz.Quanto aos forros é uma das penas aflitivas a de açoites pelas ruas públicas; quanto aos cativos na grade da cadeia, e no calabouço. Mas como o principal fim seja o exemplo aterrador dos cativos parecia conseguir-se melhor, sendo dados os açoites nos cativos[6] em Praças mais públicas, e lugares onde estes maus indivíduos capoeiras costumam fazer suas paradas e depois suas desordens e delitos.Mas, como não esteja em uso prático serem açoitados no Pelourinho[7] e Praça do Rossio, na do Capim, na da Sé, e outras, não me atrevendo a fazer esta inovação, posto que a julgue necessária, e haja agora ocasião com dois escravos, um crioulo, outro de Nação condenados em açoites, sou a pedir a Vossa Majestade pelo expediente desta Secretaria de Estado dos Negócios do Brasil queira expedir as ordens a este respeito ao Chanceler que serve de Regedor, (...) para este informar, e ficarem registrados nos livros da Relação para terem o seu devido efeito. Vossa Majestade mandará o que justo lhe parecer  ao seu Real Serviço. Rio de Janeiro, 27 de Fevereiro de 1817. O Corregedor do Crime da Corte e CasaAntônio Felipe Soares de Andrade de Brederode”    


[1] Eram considerados forros os indivíduos que recebiam carta de alforria. Contudo, por ser revogável, nunca o ex-escravo ganhava a situação de homem livre. Ele era um forro ou liberto que vivia sob a constante ameaça de revogação da alforria por “ingratidão” ao seu antigo senhor.
[2] Não existe um consenso em torno da origem do termo capoeira, tampouco da prática por ele definido. Diz-se que seriam campos abertos (capoeiras) onde escravos fugidos praticavam uma espécie de luta ritual; há também uma versão que afirma ter sido a denominação de um cesto carregado pelos escravos de ganho para carregar principalmente aves e verduras nas ruas da cidade, e como a prática dessa luta teria se espalhado justamente entre esses escravos, que acabavam sendo chamados de capoeiras, a prática recebeu o mesmo nome. De uma forma ou de outra, floresceu nas cidades (e seus arredores) de Pernambuco, Bahia e Rio de Janeiro, sendo sempre alvo de repressão e inspirador de temor. Se a origem da prática é rural ou urbana permanece um mistério; contudo, foi no início do século XIX que ela se espalhou de forma avassaladora entre os escravos da cidade do Rio de Janeiro - transformada em corte -, tornando-se um problema de ordem pública de proporções inesperadas antes de 1820. Uma forma de dança e luta ritualizada, representava um momento de congraçamento mas também de enfrentamento entre diversas etnias africanas, colocadas todas, a força, sob um mesmo rótulo e vivendo no mesmo local. Além disso, passou a ser um meio de ataque e defesa fundamental na resistência à repressão dos movimentos, manifestações e presença dos negros nas ruas da cidade.
[3] A Intendência-geral da Polícia e do Estado do Brasil foi criada pelo príncipe regente d. João, através do Alvará de 10 de maio de 1808. A Intendência tinha como incumbência, entre outras, organizar uma polícia eficiente e capaz de prevenir as ações consideradas perniciosas e subversivas. Foi a estrutura básica da atividade policial no Brasil.
[4] Era o órgão judicial responsável pelo julgamento das apelações de causas criminais envolvendo sentenças de morte. No Brasil, este órgão foi instalado na Corte através do alvará de 10 de maio de 1808, com atribuições semelhantes à Casa da Suplicação de Lisboa e em substituição ao Tribunal da Relação, existente na cidade desde 1752. A Casa da Suplicação de Lisboa era o tribunal de segunda instância que unia os desembargadores da Mesa Grande e da Mesa dos Desembargadores Extravagantes, bem como da Mesa dos Agravistas, da Mesa da Ouvidoria do Crime, do Juízos e Ouvidorias. Atuava nas comarcas da metade sul do país e nos territórios de além-mar, com excepção do Brasil e da Índia.
[5] Autoridade administrativa da freguesia.
[6] Na sociedade colonial o termo ‘cativo’ era sinônimo de escravo.
[7] O pelourinho consiste em uma coluna de pedra colocada em lugar público de cidade ou de vila, onde as autoridades municipais exerciam a sua autoridade e justiça. O pelourinho serviu como instrumento de castigo, onde o réu era posto com baraço e pregão para, após ser lida a sentença, ser açoitado ao som de tambores que serviam para abafar os gritos do castigado e chamar a atenção dos espectadores. Dentre os muitos homens isentos do pelourinho, estavam o clero, os juízes, os altos administradores e os oficiais de tropa. As primeiras notícias referentes ao levantamento de pelourinhos no Brasil colônia foram fornecidas por Mem de Sá em 1558. Em 1626, foi lembrado pelo ouvidor-geral Luís Nogueira de Brito a necessidade de ser erguer no Rio de janeiro um pelourinho.

 
 
 

Um caso de luta




Carta de Felicíssimo José Victorino de Souza informando a prisão dos negros quilombolas Geremias, Aleixo, João, Pedro e Domingos, acusados de vários roubos e mortes, incluindo de um soldado. Segundo o documento, os assassinatos ocorreram a mando do negro Joaquim, considerado “rei” no quilombo, que também foi morto pelos prisioneiros. As agitações causadas por negros insurretos e quilombolas marcaram o período colonial deixando registrado em documentos como este, a violência do confronto entre brancos e negros, bem como a necessidade de que fossem aplicadas punições severas e exemplares. 
Conjunto documental: Correspondência de capitães-mores e comandantes de regimentos de vilas do Rio de Janeiro
Notação: caixa 484, pct.02Datas – limite: 1771-1808Título do fundo: Vice-reinado Código do fundo: D9Argumento de pesquisa: QuilombosData do documento: 12 de outubro de 1805Local: Cabo FrioFolha(s): -    “Pelo Alferes de granadeiros do regimento do meu comando, João de Souza Braga, remeto presos os negros aquilombados[1], que constam da relação, que ponho na respeitável presença de V.Ex.ª, os quais foram uns presos, na ocasião em que roubaram no engenho[2] do capitão Antonio Gonçalves, e outros em um distante quilombo[3], no qual se levantaram com armas de fogo, por cuja causa mataram os soldados um negro, que dizem ser da viúva d. Teresa Gonçalves; e o mesmo levante fizeram os que roubaram a fazenda, os quais dispararam armas de fogo, escapando por felicidade os soldados sem maior incômodo. Do referido quilombo se escaparam seis, indo com eles um dos que capturaram [ilegível] nas ocasiões dos insultos, os quais tem sido tantos, que se considera ser um levante de negros, os quais tem inquietado todo este Distrito. Eu continuo nas mais eficazes diligências para as quais me é inteiramente necessário que V.Ex.ª se digne mandar que a Câmara assista com algum sustento para a tropa, sendo assim do agrado de V.Ex.ª . Os principais matadores dos que remeto presos, são Geremias, Aleixo, João, Pedro e Domingos, que já remeti com a parte á presença de V.Ex.ª , datada em oito do corrente, os quais fizeram várias mortes por mandado de um negro Joaquim a quem no Quilombo chamavam = Rei = e como tal o obedeciam, cujo rei, eles o mataram há poucos dias na ocasião, em que repartiam o roubo que fizeram a Joaquim Manoel, ao qual roubaram tudo quanto possuía, e o deixaram mortalmente ferido (...) Igualmente confessa o Geremias que foi ele quem matou o soldado do meu regimento, o que já participei a V.Ex.ª , sendo companheiro o negro Domingos, o qual pela confissão dos mesmos companheiros, se achava em todos os distúrbios, e também confessam, fizeram (...) várias mortes em alguns seus companheiros, o que tudo declararam perante várias testemunhas. São tantos os distúrbios, que estes insultadores têm feito, que não me posso dispensar de rogar a V.Ex.ª queira mandar vir para este Distrito as cabeças dos que forem justiçados, para exemplo, o que igualmente me requerem alguns senhores de fazendas, que julgam algum levante dos escravos[4] pelos distúrbios, que diariamente fazem os mesmos escravos, ao quais tem dado motivo de bem se suspeitar o referido. V.Ex.ª mandará o que for servido, a cujas determinações se humilhará sempre constante a minha fiel obediência. Deus guarde a V.Ex.ª . Cabo Frio[5], doze de Outubro de mil oitocentos e cinco. Felicíssimo José Victorino de Souza.”            


[1] Os aquilombados eram os escravos fugitivos que se refugiavam em quilombos.
[2] Os engenhos eram constituídos por um complexo formado por terras, construções e maquinário empregados na produção e beneficiamento do açúcar. A maior parte da primeira geração de senhores de engenho não era formada por nobres ou grandes investidores, mas por plebeus que auxiliaram na conquista e povoamento da costa brasileira. Com o tempo e a expansão do açúcar e conseqüente aumento da sua importância para a economia metropolitana, o status do senhor de engenho cresceu proporcionalmente. Os senhores de engenho dominaram a política local durante décadas, século, e até o século XVIII ocuparam a maior parte dos postos de oficial nas milícias locais, formando durante todo o período colonial um poderoso grupo de pressão, uma vez que a metrópole precisava de sua lealdade e de seus investimentos para manter a colônia e torná-la rentável.Havia uma hierarquia entre os senhores de engenho, que dependia basicamente da tradição da família e do tipo de propriedade que possuíam. Nem todos os engenhos eram iguais. O engenho real era movido a água, apresentava maior riqueza e complexidade, empregava um sem-número de oficiais de serviço trabalhadores especializados, contava com grande contingente de mão de obra escrava, grande plantação própria (além de comprar a produção de engenhos menores) e possuía toda a maquinaria para produzir o açúcar, cobrindo todo o processo. Os demais engenhos exigiam investimento menor mas também restringiam a força política do seu senhor. Eram movidos por escravos ou animais, e no caso das engenhocas, produziam basicamente aguardente. A maior parte das propriedades não era nem tão grande e nem possuía tantos escravos (média de 65 na Bahia, 35 em Campos, RJ). Embora a maior parte dos lucros resultantes da produção de açúcar se concentrasse na atividade comercial, era a produção agrícola que concedia prestígio e poder.
[3] A palavra Quilombo remete ao fenômeno conhecido pela reunião de negros fugitivos em comunidades e povoações construídas em áreas rurais e urbanas em todos os territórios das Américas onde o sistema escravocrata se estabeleceu. O Quilombo ou Mocambo, como também era conhecido aqui no Brasil, possuía uma estrutura social, política e cultural original, que se definiu pela recomposição das identidades e nacionalidades dos aquilombados, que haviam sofrido todo tipo de violência no seu cotidiano nas senzalas. Principal foco de resistência dos negros fugidos de seus cativeiros, os quilombos foram violentamente reprimidos pelas autoridades coloniais e depois imperiais, o que levou grande parte dos estudos em torno do tema a se basearam em informações retiradas de fontes militares, o que dificultou em parte as análises de aspectos não registrados por estes documentos, como ocorreu de modo geral em relação a movimentos e formas de resistência por parte de grupos que pelas suas características e pelas circunstâncias, deixaram poucos registros escritos ou que se perderam. Apesar disto, outras pesquisas revelaram que estes espaços possibilitaram aos seus agentes a redefinição das diásporas africanas através de continuidades e rupturas com experiências trazidas não apenas da África, mas também das vivenciadas nos próprios cativeiros. Diferentemente do que muitos imaginam, as comunidades de quilombolas não eram apenas uma “reação” - via isolamento radical - ao regime escravocrata. Elas se integravam às suas regiões estabelecendo um fértil comércio com negociantes locais e sendo assim quase reconhecidas por partes destes como comunidades de camponeses autônomos. A lógica desse processo pode ser explicada pela idéia de “dinamização da estratificação social” promovida pelos aquilombados que negavam o regime escravista e desejavam um regime de trabalho livre. Além disso, os aquilombados construíram uma vasta rede de alianças com outros grupos sociais e movimentos políticos, o que dificultou as tentativas de reescravização promovidas pelas autoridades locais, forçando-as à negociação. Sem duvida, o maior e mais longevo Quilombo foi o de Palmares organizado em meio às densas florestas de palmeiras na Serra da Barriga em Pernambuco entre 1605 e 1695. Palmares resistiu por quase cem anos às incursões portuguesas e holandesas, sobrevivendo com o vasto conhecimento de agricultura, pecuária, metalurgia, entre outras atividades, trazidas pelos seus integrantes.  
[4] Pessoa cativa, desprovida de direitos, sujeita a um senhor, como propriedade dele. Embora a escravidão, na Europa, existisse desde a época do Império Romano, durante a Idade Média ela recuou para um estado residual. Com a expansão ultramarina, no século XV, ela revigorou-se, mas adquiriu contornos bem diferentes e proporções muito maiores. No Brasil, de início utilizou-se a captura de nativos para formar esse contingente de mão de obra escrava. Por diversos motivos _ dificuldade em forçar o trabalho do homem indígena na agricultura, morte e fuga de grande parte dos nativos para áreas do interior ainda inacessíveis aos Europeus, lucro com a implantação de um comércio de escravos importados da África _ a escravidão africana começou a suplantar a indígena em número e importância econômica quando do início, no Brasil, da atividade açucareira em grande extensão. Apesar disso, a escravidão indígena perduraria por bastante tempo ainda, marcando a vida em pontos da colônia mais distantes da costa e em atividades menos extensivas.Uma das peculiaridades da escravidão nesse período é representada pelos altos gastos dos proprietários com a mão de obra, muitas vezes mais cara do que a terra. Iniciar uma atividade de lucro demandava um alto investimento inicial em mão de obra, caso se esperasse certeza de retorno. A escravidão e a situação do escravo variavam, dentro de determinados limites, de atividade para atividade e de local para local. Mas de uma forma geral, predominavam os homens, já que o tráfico continuou suas atividades intensamente pois, ao contrário do que ocorria na América Inglesa, por exemplo, não houve crescimento endógeno entre a população escrava na América Portuguesa.
[5] A região de Cabo Frio foi descoberta em 1503, por ocasião da 2ª expedição exploradora enviada pelo rei de Portugal d. Manuel I. Sob o comando de Gonçalo Coelho, esta expedição contou com a participação do navegador Américo Vespúcio, responsável pela fundação da feitoria de Cabo Frio, destinada à exploração do pau-brasil existente na praia do Cabo da Rama, atual Praia dos Anjos, em Arraial do Cabo. Junto com a feitoria, foi edificada uma fortaleza com a finalidade de guarnecer o litoral. A cidade de Cabo Frio foi fundada em 1615, pelo capitão Constantino Menelau após a expulsão de cinco naus holandesas.   


 fonte O Arquivo Nacional e a História

A Revolta da Chibata

100 anos de revolta da chibata 22 de Novembro dia de João Cândido símbolo contra a opressão no brasil

No dia 22 de novembro de 1910, diante de uma população atônita, tiros de canhão abalaram a cidade do Rio de Janeiro. Liderados por João Cândido Felisberto, conhecido como "Almirante Negro", marinheiros deram início à Revolta da Chibata, que reivindicava o fim dos castigos físicos na Marinha.

"A Revolta da Chibata" foi um movimento deflagrado pelos marinheiros contra os maus-tratos, que paralisou o coração do Brasil por quatro dias e custou a vida de dezenas de pessoas, entre civis e militares. A punição pela chibata até então era um hábito herdado da Marinha portuguesa. Os castigos tinham a função de educar na marra os supostos maus elementos que compunham os quadros inferiores.

Traídos, presos e torturados, os revoltosos foram expulsos da Marinha. Os marujos passaram por momentos muito difíceis. A anistia não durou dois dias. João Cândido foi um dos que mais sofreram perseguições, vindo a morrer muito pobre e doente. A sua prisão na Ilha das Cobras, foi marcada por atrocidades e barbaridades.

Após ser preso e torturado, o “Almirante Negro” foi internado num manicômio. Nos anos seguintes, enfrentou uma série de mazelas pessoais e familiares, sempre discriminado pela Marinha.

Imortalizado no samba "O mestre-sala dos mares", ele foi anistiado postumamente em julho de 2008. Agora a Revolta da chibata completa 100 anos, e o "Almirante Negro", um símbolo da luta contra a opressão no Brasil, merece destaque.

Durante a infância João Cândido viveu em Rio Pardo, no interior do Rio Grande do Sul. Filho de ex-escravizados, ele deixa cedo a vida na fazenda e alista-se na Marinha. Ali, ganha experiência viajando pelo Brasil e pelo mundo. Com bom trânsito entre os oficiais e admirado pelos companheiros, o jovem acaba liderando uma das mais importantes rebeliões populares do Brasil. O líder da revolta faleceu no Rio de Janeiro, em 1969, aos 89 anos.

O “Almirante Negro” chegou a levar fama de “perigoso”, no entanto pessoas que acompanharam sua vida após o fim da revolta afirmam que sua postura não condizia com isto. Mesmo assim sua vida foi marcada pela perseguição política, pela penúria e pelas tragédias pessoais.

Problemas financeiros, a dura rotina de trabalho descarregando peixe durante a noite e de madrugada, no entreposto da Praça XV, no Rio de Janeiro, as perdas trágicas da mulher e da filha e as recaídas constantes da tuberculose mascaram os últimos anos de vida de João Cândido.

O “Almirante Negro” passou de marinheiro a trabalhador braçal, recluso e doente. Teve a polícia em seu encalço até mesmo durante seu enterro.

Raça humana

Reflexões sobre a questão da “Raça”
Em entrevista ao Café História, a historiadora Mônica Grin fala de seu recém-lançado livro sobre a questão “racial” no Brasil e fornece importantes chaves de entendimento sobre este importante tema contemporâneo

Neste mês de novembro, a seção de entrevistas do Café História, o "Conversa Cappuccino", conversou com a historiadora Mônica Grin, que acaba de lançar seu livro: "Raça" - Debate Público no Brasil, publicado pela Editora Mauad X e pela FAPERJ. Nesta entrevista, a autora falou sobre como surgiu a idéia do livro, deu sua opinião sobre as polêmicas ações afirmativas e comentou sobre o multiculturalismo. Não deixe de conferir e de deixar seu comentário. Suas idéias são valiosas para o desenvolvimento deste tão importante tema.

Mônica Grin é professora no Departamento de História e no Programa de Pós-Graduação em História Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Coordena o Núcleo Federal Interdisciplinar de Estudos Judaicos da UFRJ e é autora de artigos e livros na área de estudos judaicos contemporâneos e de relações raciais.

CAFÉ HISTÓRIA - Professora, antes de mais nada, muito obrigado por aceitar esta entrevista do Café História. Entrando já em nossa primeira pergunta, a senhora acaba de lançar o livro “Raças” – Debate Público no Brasil. Por que este tema e porque agora?

MÔNICA GRIN - Esse tema é resultado de uma década de reflexão, quando finalizei minha pesquisa de doutorado e constatava já em 2000 a emergência de uma nova modalidade de tratamento de emergência do tema racial no Brasil: a “raça” se insinuando não mais como categoria biológica, como no passado, mas como sujeito de direitos na república brasileira. Esse tema é recuperado agora, porque entre o fim da minha tese (em 2000) e hoje, pode-se depreender uma perspectiva histórica que reforça a minha hipótese, de dez anos atrás, de que estaríamos diante de um processo de racialização em curso no Brasil. O presente livro é uma evidência de como esse processo pode ser observado hoje em vários contextos: desde juízos formulados pela opinião pública, passando por políticas públicas (adoção de cotas raciais), até debates intelectuais.

CAFÉ HISTÓRIA - Em sua opinião, como a historiografia brasileira abordou até agora a questão da raça, no Brasil ? Trata-se de uma questão já bastante analisada ou que ainda necessita de novos olhares?

MÔNICA GRIN - “Raça”, da perspectiva da historiografia, é sempre tratada como uma categoria classificatória já presente no Brasil desde a escravidão. Depois ela foi objeto de criticas à república brasileira que, através do racismo e das raciologias, teria privilegiado o imigrante em detrimento do negro, transformando o negro em um sub-cidadão, ou “quase-cidadão”. Há também os registros nos quais a “raça” dilui-se sob o signo do mito da democracia racial, que ora é objeto de rigorosa critica, especialmente criticas dirigidas a Freyre e à sua versão “condescendente” do racismo no Brasil, ora é objeto de celebração, como expressão de uma cultura racial que se fundaria na miscigenação, na tolerância e na harmonia raciais. O maior problema são os excessos de um lado e de outro. Essa questão possui hoje um novo estatuto e devemos pensá-la como uma questão que se afirma politicamente, através da luta do movimento negro de inspiração norte-americana. Trata-se de compreender hoje a forma da luta antirracista como uma luta não de eliminação da “raça”, mas como uma luta de promoção da “raça”. Hoje debate-se leis que tendem a promover a “raça”, como a lei das cotas raciais e a lei do Estatuto da Igualdade Racial. Portanto, essa questão merece novos olhares, especialmente vinda da pesquisa histórica.

CAFÉ HISTÓRIA - Estamos chegando ao fim da Era Lula (2003-2010). Durante este período houve mudanças no debate público no Brasil sobre a questão racial? Como este debate se diferencia, por exemplo, daquele ocorrido nos Governos Fernando Henrique Cardoso (1995-2002)?

MÔNICA GRIN - No governo Lula o debate sobre “raça” em geral e sobre a “raça” como sujeito de direitos, ganhou principalmente uma versão institucional. Desde 2003 o governo Lula conta com uma Secretaria Especial de Promoção de Políticas de Igualdade Racial (SEPPIR) que promove sistematicamente políticas focais ou particularistas dirigidas especialmente aos negros. A institucionalização da questão racial é parte do processo de racialização que venho identificando no Brasil há uma década. O governo FHC iniciou, no entanto, as primeiras articulações de projetos de políticas públicas dirigidas especificamente para os negros. Foi no governo FHC que essa história teve inicio, como questão política da República, e que os compromissos com o movimento negro, sobretudo a partir de Durban, em 2001, iniciam-se.

CAFÉ HISTÓRIA - Há algum tempo, a comunidade científica desconstruiu a falsa idéia de que a humanidade é formada por diferentes raças. Como podemos explicar a sobrevivência desta idéia não apenas no senso comum, mas também dentro de movimentos sociais, setores intelectuais e até mesmo em espaços acadêmicos?

MÔNICA GRIN - É espantoso mesmo! O que se diz é que não se trata mais daquela raça biológica, já condenada pela ciência. Trata-se de transformar a “raça” em uma categoria política cuja eficácia na luta contra o racismo seria indiscutível. É como se a promoção da raça fosse o melhor antídoto para se combater o racismo. Combate-se o racismo através da sua prórpria criatura, a “Raça”. Os exemplos históricos que mostram os estragos que qualquer promoção racial promoveu na Europa com o nazismo, nos EUA com a segregação racial e na África do Sul com o Apartheid, parecem não sensibilizar os intelectuais que defendem políticas públicas racializadas.

CAFÉ HISTÓRIA - No meio intelectual e acadêmico, o debate recente sobre as cotas em universidades públicas gerou manifestos pró e contra a medida. Como você se posiciona diante desta questão?

MÔNICA GRIN - O inconveniente de se tratar essa questão quer de uma perspectiva histórica, quer de uma perspectiva sociológica, é que o tema convida a posicionamentos políticos. Não sou militante de causa alguma, mas posso manifestar o meu desconforto com todas as formas de promoção racial aqui ou em qualquer lugar. Achar que o problema da desigualdade no Brasil necessita de políticas especificas para pessoas de pele mais escura, ou como se prefere, da “raça” negra, é brincar com um tema que historicamente promoveu os maiores genocídios em nome da promoção racial, do orgulho racial e das diferenciações raciais. Se ser contra os genocídios que se promovem ainda hoje em nome do racismo e da intolerância exige ser contra cotas raciais (que é uma forma de promoção racial), então sou contra as cotas raciais.

CAFÉ HISTÓRIA - Em entrevista recente ao jornal OGLOBO, o professor da USP, Demétrio Magnoli, fez duras críticas ao multiculturalismo. Para Magnoli, este tipo de ideologia gera um mosaico de comunidades e reforça políticas discriminatórias e racistas, muitas das quais servem de base para políticas demarcatórias e excludentes, como aquela do governo de Nicolas Sarkozy, na França. Professora, a senhora concorda com esta visão sobre o multiculturalismo?

MÔNICA GRIN - Desde 2000, com a finalização da minha tese de doutorado (que foi sobre multiculturalismo), venho identificando problemas de introdução desse paradigma no Brasil. Tenho salientado que o multiculturalismo em nome do reconhecimento da diferença étnico-racial e em nome da redistribuição com base em reparações históricas por violências cometidas no passado, vêm introduzido no Brasil uma das mais nefastas ideologias raciais: a de que a sociedade brasileira seria dividida basicamente em duas “raças”: a branca e a negra, e que tal divisão é a melhor maneira de identificar qual “raça” deve ser sujeito de direitos no Brasil, com base em direitos de reparação histórica a que governo brasileiro deve aceder. Ademais, o multiculturalismo exibe sua força quando, uma vez disseminado em vários órgãos do governo brasileiro, ou instituições brasileiras, acaba por transformar temas caros à nossa cultura, em objeto de tribunal racial. Parte da obra de Monteiro Lobato (e quantos outros virão) é considerada pelos adeptos do multiculturalismo que hoje estão à serviço do Estado brasileiro, como politicamente incorreta, uma vez que se refere de forma “racista” a sua personagem negra, Tia Anastácia, por exemplo.

CAFÉ HISTÓRIA - África do Sul, Estados Unidos, França. Todos esses países são citados quando ao assunto é a questão racial. No que a discussão racial nestes países de se aproxima ou diferencia da discussão racial travada no Brasil?
MÔNICA GRIN - A experiência pós-apartheid da Africa do Sul e de Ações Afirmativas nos EUA do pós-segregação, são, em geral, associadas aos exemplos ativados por segmentos do movimento negro e da inteligentsia que apóiam a promoção racial no Brasil. No caso da França, aqueles que são adeptos das políticas republicanas universalistas, tendem a olhar para o caso Frances como um caso de resistência republicana aos apelos do multiculturalismo.

CAFÉ HISTÓRIA - Hoje, na internet, há muitos blogs e fóruns de discussão, inclusive em domínios brasileiros, que negam o holocausto nazista, que acusam os judeus de dominar a economia e os meios de comunicação. São discursos frágeis, mas que acabam convencendo muitas pessoas não-especialistas no tema. Como podemos classificar este tipo de discurso? Antissemita? Antisionista? Ambos? O que diferencia hoje essas duas classificações? Devemos nos preocupar com um recrudescimento do antissemitismo?

MÔNICA GRIN - Sou sempre muito crítica em relação aqueles que se apóiam em teses conspiratórias que vê o antissemtismo em todos os lugares e em todos os tempos de uma e da mesma maneira. Hoje o antissemtismo possui outros ingredientes que já não estão fundamentados nas dinâmicas antissemitas de contextos como da guerra e do período pre-guerra. O antissemitismo hoje está mais associado ao anti-sionismo, à crítica as formas como o Estado de Israel lida com os seus “outros” não judeus. Isso não significa negar que na Internet há manifestações racistas e que tal fato atrai os incautos. Sabemos que há no Brasil, no entanto, lei que pode perfeitamente penalizar essas manifestações.

CAFÉ HISTÓRIA - Professora, muito obrigado pela sua atenção. Para encerrar, que referências bibliográficas a senhora recomendaria para os leitores do Café História que desejam se aprofundar no assunto?

MÔNICA GRIN - FRY, P. e MAGGIE. Divisões Perigosas; FRY, P. A Persitência da RaçaO Atlantico Negro; MAIO, M. e VENTURA, R. Raça: uma questão; entre outros